segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Requisitos necessários à aplicação do princípio da insignificância segundo o STF

Mais um belíssimo esclarecimento:


"O princípio da insignificância - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como

(a) a mínima ofensividade da conduta do agente,

(b) a nenhuma periculosidade social da ação,

(c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e

(d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal.

Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade."

(HC 84.412, STF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão publicada no DJU de 2⁄8⁄2004)

O princípio da insignificância na visão do Ministro Felix Fischer


Se, por um lado, na hodierna dogmática jurídico-penal, não se pode negar a relevância do princípio enfocado, por outro, ele não pode ser manejado de forma a incentivar condutas atentatórias que, toleradas pelo Estado, seriam uma maneira de afetar seriamente a possibilidade de uma proveitosa vida coletiva (conforme terminologia de Wessels). De qualquer modo, impõe-se, aí, recordar C. Roxin (in "Derecho Penal", PG, Tomo I, trad. esp., Civitas, 1997, p. 297), in verbis:

"Por consiguiente, la solución correcta se produce en cada caso mediante una interpretación restrictiva orientada hacia el bien jurídico protegido. Dicho procedimiento es preferible a la invocación indiferenciada a la adecuación social de esas acciones, pues evita el peligro de tomar decisiones siguiendo el mero sentimiento jurídico o incluso de declarar atípicos abusos generalmente extendidos. Además, sólo una interpretación extrictamente referida al bien jurídico y que atienda al respectivo tipo (clase) de injusto deja claro por qué una parte de las acciones insignificantes son atípicas y a menudo están ya excluidas por el proprio tenor legal, pero en cambio otra parte, como v.gr. los hurtos bagatela, encajan indudablemente en el tipo: la propriedad y la posesión también se ven ya vulneradas por el hurto de objetos insignificantes, mientras que en otros casos el bien jurídico sólo es menoscabado si se da una cierta intensidad de la afectación."

Como referencial, na doutrina, é de se lembrar a exemplificação, acerca do tema, feita por E. R. Zaffaroni (in "Derecho Penal", PG, c⁄ A. Alagia & A. Slokar, Ediar, 2000, p. 472), a saber:

"no es racional que arrancar un cabello sea una lesión, apoderarse de una cerilla ajena para encender el cigarrillo sea un hurto, llevar un pasajero hasta la parada siguiente a cien metros sea una privación de libertad, los presentes de uso a funcionarios constituyan una dádiva, etc. En casi todos los tipos en que los bienes jurídicos admitan lesiones graduables, es posible concebir actos que sean insignificantes."

Nesta mesma linha, Juarez Cirino dos Santos (in "A Moderna Teoria do Fato Punível" 2ª ed., Freitas Bastos, p. 37). Está claro, de pronto, para evitar temerária e inaceitável incerteza denotativa, que a aplicação do princípio da insignificância deve sempre ser feita através de interpretação referida ao bem jurídico (e não mera tabela de valores), atendendo ao tipo de injusto. Não se deve, no entanto, atingir deliberada e gravemente a segurança jurídica (cf. preocupação revelada por L. Régis Prado in "Curso de Direito Penal Brasileiro", vol. I, RT, 3ª ed., p. 124). E não é só!

Ainda que se reconheça - como, de fato, creio ser certo - a sua observância mesmo nos casos de delitos privilegiados e nas infrações de menor potencial lesivo, não como forma de julgar contra legem, mas, isto sim, de reconhecer que abaixo de certo patamar de desvalor, em grau, aí, ínfimo (ninharia), até a figura típica derivada pode não incidir. Ainda assim, repito, o manejo desta causa de atipia conglobante não deve contrastar, frontalmente, com outros princípios, v.g., como o da razoabilidade. Primeiro, vale dizer, inclusive por óbvio, que o princípio da insignificância não pode ter a finalidade de afrontar critérios axiológicos elementares.

Asseverar-se que devem ser penalmente toleradas subtrações de objetos não essenciais (de pequeno, porém, não ínfimo, valor) por pessoas, comparativamente (considerando-se a nossa realidade), de classe privilegiada, tomando-se como referencial um - no feito - questionável desvalor de resultado medido circunstancialmente pelo julgador, data venia, é de difícil aceitação em qualquer grau de conhecimento, dado a manifesto desvio, aí, da finalidade das normas penais. Não se pode confundir eventual reduzido juízo de censura penal (v.g. tipo privilegiado) com aceitação ou tolerância do que, primo ictu oculi, não pode ser aceito ou tolerado.

Se, aliás, o descrito na imputatio facti devesse, ex hypothesis, merecer aprovação (pela via da adequação social) ou tolerância da coletividade pela suposta mínima gravidade (pela via da insignificância), a prática de furtos de pequenos objetos em supermercados teria que ser considerada, mormente para integrantes das classes privilegiadas, como uma espécie de ... hobby (o furto seria penalmente típico, por assim dizer, conforme a "perigosidade social" decorrente da classe social a que pertencesse o agente ...).

Tudo isto, tornando o prejuízo, mesmo reiterado, obrigatoriamente, suportável pelo sujeito passivo, porquanto, pela sistemática legal em vigor, inexiste (afora o art. 155 do CP), em casos tais, proteção jurídica viável (ou, até, teoricamente pertinente) contra tal agir. Vale, todavia, destacar que não se deve, evidentemente, confundir esta situação com aquela em que se discute a possível configuração de justificativa, ex vi, v.g., art. 24 do Código Penal. Tem mais! É, lamentavelmente, inolvidável que os pobres e até os que se encontram em situação de miséria, não poucas vezes, são, por igual, vítimas de furtos.

Se já não bastasse o referencial estranho para pequeno valor (considerado um salário-mínimo, ou seja, tudo o que, normalmente, um pobre tem, para efeito do § 2º do art. 155 do CP), o princípio da insignificância, sob ótica elitista, levaria uma grande parte da população a ficar sem proteção penal no que se refere aos furtos (decerto, deveriam, então, reclamar nos juizados cíveis ...). Segundo, volto a sublinhar, mesmo reconhecendo a possibilidade da aplicação do princípio nas figuras privilegiadas, entendo que é de se distinguir entre ínfimo (desprezível) e pequeno valor. Este, ensejando, eventualmente, o furto privilegiado (art. 155 § 2º do CP), aquele, a atipia conglobante. Esta distinção não pode ser ignorada. Há previsão legal (§ 2º) que deve ser observada, sob pena de julgamento contra legem.

Ministro Felix Fischer, no REsp nº 470.978⁄MG, in DJ 30⁄6⁄2003

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