sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A possibilidade de utilização no âmbito administrativo de interceptação de comunicações telefônicas produzidas nos autos de processo penal

Mais uma do amigo Lucky Man:
De acordo com o escólio de Vicente Greco Filho, o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal permite a quebra do sigilo das comunicações telefônicas apenas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, razão pela qual é vedado seu aproveitamento fora do âmbito penal:

"Poderia a prova obtida com a interceptação legalmente realizada para fins de investigação criminal servir em processo civil como prova emprestada?

Cremos que não, porque, no caso, os parâmetros constitucionais são limitativos. A finalidade da interceptação, investigação criminal e instrução processual penal é, também, a finalidade da prova, e somente nessa sede pode ser utilizada. Em termos práticos, não poderá a prova obtida ser utilizada em ação autônoma, por exemplo de indenização, relativa a direito de família etc" (Interceptação Telefônica. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 23⁄24).

Diverge desse entendimento a doutrina de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, para quem, após rompido o valor constitucional da intimidade quando da realização na esfera penal da interceptação, torna-se razoável o transporte da prova:

"As opiniões dividem-se, mas, de nossa parte, pensamos ser possível o transporte da prova. O valor constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações telefônicas é a intimidade. Rompida esta, licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais resta a preservar. Seria uma demasia negar-se a recepção da prova assim obtida, sob a alegação de que estaria obliquamente vulnerado o comando constitucional. Ainda aqui, mais uma vez, deve prevalecer a lógica do razoável" (As Nulidades no Processo Penal, 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 219⁄220).

No sentido da legalidade do empréstimo de interceptação telefônica realizada nos autos de processo ou de investigação criminal, cumpre também transcrever a lição de Guilherme de Souza Nucci:

"Se a interceptação telefônica realizou-se com autorização judicial, para fins de investigação ou processo criminal, violou-se a intimidade dos interlocutores de maneira lícita. Por isso, tornando-se de conhecimento de terceiros o teor da conversa e podendo produzir efeito concreto na órbita penal, é natural que possa haver o empréstimo da prova para fins civis ou administrativos. Aliás, não teria sentido admitir-se a prova no âmbito criminal, daí advindo uma sentença condenatória, que é pública, aplicando-se qualquer sanção e, como efeito da condenação, por exemplo, a perda de cargo, função ou mandato (art. 92, I, CP), mas não se poder utilizar a referida gravação de conversa para pleitear uma indenização civil ou no contexto da ação de improbidade administrativa." (Leis penais e processuais penais comentadas, 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 659)

Neste Superior Tribunal de Justiça, apesar de tampouco se tratar de questão unânime (cf., a esse respeito, voto-vista proferido pelo Ministro Nilson Naves no julgamento do MS 11.965⁄DF), prevalece o entendimento de que é possível a utilização no âmbito administrativo de interceptação de comunicações telefônicas produzidas nos autos de processo penal, desde que observado o disposto na Lei nº 9.296⁄96.
Nesse sentido, confiram-se julgados da Terceira Seção:

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL.INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE SINDICÂNCIA. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO DISPENSÁVEL. REEXAME DE PROVAS PRODUZIDAS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. NÃO COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. REQUERIMENTO NOS TERMOS LEGAIS. "WRIT" IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA.
(...)
VI - Sendo a interceptação telefônica requerida nos exatos termos da Lei nº 9.296⁄96, uma vez que o impetrante também responde a processo criminal, não há que se falar em nulidade do processo administrativo disciplinar.
(...)
VIII - Ordem denegada." (MS 9212⁄DF, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, DJ 01.06.2005)

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRELIMINARES. NECESSIDADE DE REDISTRIBUIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AUTENTICAÇÃO DE DOCUMENTOS. DESPICIENDA. NÃO VISLUMBRADA LITISPENDÊNCIA. MÉRITO. NULIDADES. INTEGRANTES DA COMISSÃO PROCESSANTE. PARTICIPAÇÃO EM PROCESSOS DA ESFERA CRIMINAL E ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE IMPARCIALIDADE PARA O JULGAMENTO. NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE SINDICÂNCIA. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO DISPENSÁVEL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. REQUERIMENTO NOS TERMOS LEGAIS. "WRIT" IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO DISCIPLINAR. SEGURANÇA DENEGADA.
(...)
11. Sendo a interceptação telefônica requerida nos exatos termos da Lei nº 9.296⁄96, uma vez que o impetrante também responde a processo criminal, não há que se falar, neste ponto, em nulidade do processo administrativo disciplinar.
(...)
13. Segurança denegada." (MS 12.468⁄DF, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), TERCEIRA SEÇÃO, DJ 14.11.2007)

Na mesma linha de raciocínio, assim se pronunciou a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em votação unânime, no julgamento do RMS 24.956⁄DF, da relatoria do Ministro Marco Aurélio (DJ 09.08.2005):

"Se, de um lado, é certo que a interceptação telefônica é viabilizada tendo em conta persecução criminal, de outro, não menos correto, é que, surgindo dos dados levantados desvio de conduta por servidor, cabem as providências próprias, não se podendo cogitar da existência de elementos a consubstanciar prova ilícita. A cláusula final do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal - '(...) na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal'-, isso quanto à quebra do sigilo das comunicações telefônicas, não encerra blindagem a ponto de, constatada infração administrativa, não poder ser utilizado, no processo respectivo, o que veio à tona, o que foi detectado. Em síntese, tem-se, na previsão constitucional, a base para afastar-se o sigilo, e aí a reserva de aproveitamento não é absoluta."

Em julgados mais recentes, proferidos em questões de ordem no Inquérito 2.424-2⁄RJ, o Ministro Cezar Peluso, Relator, em judiciosos votos acompanhados pela maioria do Tribunal Pleno da Corte Constitucional, autorizou o envio, aos órgãos competentes para aplicar sanção administrativa ao indiciado, de cópias de inquérito penal em que tinham sido realizadas interceptações de comunicações telefônicas, bem como a utilização daquelas cópias para instauração e instrução de processo administrativo disciplinar. A título de ilustração, é de bom alvitre transcrever trechos do julgado:

"Mas o que de todo me não parece ajustar-se às normas discerníveis nos textos constitucional e legal, enquanto ingredientes do sistema, é que os resultados prático-teóricos da interceptação autorizada não possam produzir efeitos ou ser objeto de consideração nos processos e procedimentos não penais, perante o órgão ou órgãos decisórios competentes, contra a mesma pessoa a que se atribua, agora do ponto de vista e outra qualificação jurídica de ilicitude em dano do Estado, a prática ou autoria do mesmo ato que, para ser apurado na sua dimensão jurídico-criminal, foi alvo da interceptação lícita, como exigência do superior interesse público do mesmíssimo Estado. Ou, dito de maneira mais direta, não posso conceber como insultuoso à Constituição nem à lei o entendimento de que a prova oriunda de interceptação lícita, autorizada e realizada em procedimento criminal, trate-se de inquérito ou processo-crime, contra certa pessoa, na condição de suspeito, indicado ou réu, pode ser-lhe oposta, na esfera competente, pelo mesmo Estado, encarnado por órgão administrativo ou judiciário a que esteja o agente submisso, como prova do mesmíssimo ato, visto agora sob a qualificação jurídica de ilícito administrativo ou disciplinar.
(...)
Isso tudo significa afirmar que, no âmbito normativo do uso processual dos resultados documentais da interceptação, o mesmo interesse público na repressão de ato criminoso grave que, por sua magnitude, prevalece sobre a garantia da inviolabilidade pessoal, justificando a quebra que a limita, reaparece, com gravidade só reduzida pela natureza não criminal do ilícito administrativo e das respectivas sanções, como legitimante desse uso na esfera não criminal, segundo avaliação e percepção de sua evidente supremacia no confronto com o direito individual à intimidade.
Outra interpretação do art. 5º, inc. XII, da Constituição da República, e do art. 1º da Lei nº 9.296⁄96, equivaleria a impedir ao mesmo Estado, que já conhece o fato na sua expressão ou recorte histórico correspondente a figura criminosa e, como tal, já licitamente apurado na órbita penal, invocar-lhe a prova oriunda da interceptação para, sob as garantias do justo processo da lei (due process of law), no procedimento próprio, aplicar ao agente a sanção que quadre à gravidade do eventual ilícito administrativo, em tutela de relevante interesse público e restauração da integridade do ordenamento jurídico" (DJ 24.08.2007).


Em consonância com a jurisprudência predominante desta Corte Superior de Justiça e do Excelso Pretório, entendo cabível o uso excepcional de interceptação telefônica em processo administrativo disciplinar, mas desde que seja também observado no âmbito administrativo o devido processo legal, respeitados os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, bem como haja expressa autorização do Juízo Criminal, responsável pela preservação do sigilo de tal prova, do seu envio à Administração.

Devido ao caráter sigiloso das diligências, gravações e transcrições decorrentes da interceptação de comunicação telefônica (art. 8º da Lei nº 9.296⁄96), compete ao magistrado da vara criminal autorizar a quebra do segredo da Justiça, sob pena de prática de crime.

Com efeito, estabelece o artigo 10 da Lei nº 9.296⁄96, que regulamenta o inciso XII, parte final, do artigo 5º da Constituição Federal, que "constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei."

Da mesma forma, também é necessária prévia autorização judicial para que seja possível o envio e a utilização pela autoridade administrativa da interceptação para fins não penais, pois nessa hipótese estender-se-á a quebra do sigilo, ocorrido estritamente no âmbito de um processo ou investigação criminal, para a esfera administrativa.

A corroborar a exigência de prévia autorização do juízo criminal para o uso da interceptação em processo administrativo disciplinar, cumpre novamente citar o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, das questões de ordem no Inquérito 2.424-2⁄RJ. Deferiu a Máxima Corte, na oportunidade, dois pedidos de envio de cópia de inquérito penal, sobre dados de interceptações telefônicas e escutas ambientais autorizadas, e de sua utilização para efeito de instaurar e instruir procedimento administrativo disciplinar.

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