segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Breves comentários acerca da responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais - William da Costa

Estabelece o § 3º do art. 225 da Constituição do Brasil de 1988 que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" (grifos meus).

Tal disposição, de natureza programática, suscitou, no cenário jurídico brasileiro, intensa discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da viabilidade do sancionamento penal das pessoas jurídicas.

No estudo da responsabilidade penal de tais órgãos coletivos, a primeira questão que se coloca diz respeito à sua natureza jurídica.

Segundo a teoria da ficção jurídica, as pessoas jurídicas não possuem existência real, nem, por conseguinte, vontade própria, de modo que apenas o homem possuiria a aptidão legal para ser sujeito de direitos.

Por outro lado, de acordo com a teoria da realidade orgânica, as pessoas jurídicas são entes autônomos, dotados de vontade própria, distinta da vontade de cada um de seus órgãos ou membros.

Na seara extrapenal, "na atualidade, prepondera na doutrina o entendimento de que as pessoas jurídicas não são mera ficção; mas elas têm realidade própria, entretanto totalmente diversa das pessoas físicas ou naturais" (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro - Parte Geral. 3ª Edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 218). Com efeito, no direito brasileiro, a pessoa jurídica é um ente autônomo, dotado de patrimônio e personalidade distintos dos membros que a compõem.

Se, por um lado, a responsabilidade, civil e administrativa, da pessoa jurídica não é objetada, por outro, a possibilidade da sua responsabilização penal enfrenta severas resistências, tanto no âmbito doutrinário, quanto no âmbito jurisprudencial.

Apoiada na máxima societas delinquere non potest, certa parcela da doutrina alinha os seguintes argumentos, como fatos obstativos da aplicação de sanções penais aos órgãos coletivos: a) as pessoas jurídicas não possuem vontade, nem consciência próprias, de modo que não podem realizar condutas ; b) impossibilidade de se analisar o erro de tipo, erro de proibição, dolo e culpa; c) impossibilidade de se aferir a culpabilidade das pessoas jurídicas, na hipótese de elas figurarem como partícipes do fato realizado por pessoas naturais; d) dificuldade de se analisar o tempo e o lugar do crime; e) a aplicação de penas a pessoas jurídicas atingiria, por via oblíqua, todos os seus membros, violando-se, assim, o princípio da personalidade da pena; e) impossibilidade da aplicação de penais privativas de liberdade.

Alinham-se, de outra banda, os seguintes argumentos em prol da sujeição das pessoas jurídicas a sanções penais: a) as pessoas jurídicas são entes autônomos, dotados de vontade e consciência próprias, distintas das de seus membros; b) por ser portadora de vontade, deve, por conseguinte, submeter-se ao postulado da isonomia entre pessoas naturais e jurídicas.

A bem da verdade, desde que se admita a teoria da realidade orgânica, nada obsta a responsabilização penal das pessoas jurídicas.

De acordo com o escólio de Flávio Augusto Monteiro de Barros, "poder-se-ia objetar a utilidade prática do direito penal, que é um ramo de intervenção mínima, à medida que sanções administrativas poderiam surtir o mesmo efeito. Mas, como adverte Fausto Martins de Sanctis, as decisões administrativas podem ser objeto de ingerências políticas, o que tem levado ao descrédito desse tipo de sanção, sendo certo que os mandamentos administrativos são simplesmente descumpridos, não possuindo, portanto, o peso e a força executiva de uma sanção de natureza criminal" (Direito Penal - Parte Geral. 5ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 127).

Muito embora a questão em tela não tenha sido, até o presente momento, analisada pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo eminente Ministro José Arnaldo da Fonseca, já assentou que: "não se pode perder de vista que o Meio Ambiente, bem de uso comum do povo, deve receber a mais ampla proteção, principalmente porque atenta contra a coletividade, devendo os degradadores, pessoas jurídicas, pessoas físicas, serem responsabilizados administrativa, civil e penalmente, nos termos da lei, sob pena de comprometimento irreversível do ecossistema a ser preservado para as presentes e futuras gerações. 35. A mens legis do legislador constituinte e do legislador ordinário foi a de proteger o meio ambiente das ações nocivas da pessoa física ou jurídica, ao considerar essa proteção imprescindível à sobrevivência da raça humana. Portanto, vê-se que acima do caráter punitivo está a intenção de prevenir de danos irreparáveis o ecossistema e a humanidade como um todo. 36. Sem dúvida a responsabilidade penal da pessoa jurídica por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente - um dos grandes avanços da legislação ambiental, e já consagrada em inúmeros países - não pode se tornar letra morta, em virtude de interpretações equivocadas. O constituinte previu a responsabilidade penal da pessoa jurídica, o legislador ordinário a regulamentou, e cabe ao Poder Judiciário dar-lhe aplicação concreta e efetividade prática" (STJ, 5ª Turma, HC nº 43.751/ES, j. 15.09.2005, v.u.).

Atendendo-se ao comando constitucional em testilha, a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, tipificou os crimes contra o meio ambiente, atribuindo responsabilidade penal às pessoas jurídicas desde que reunidos os seguintes requisitos: a) que o delito tenha sido cometido por decisão de seus representantes legais ou contratuais ou, ainda, de seus órgãos diretores colegiados; b) que o delito tenha sido cometido no interesse ou em benefício da entidade. Demais disso, segundo o art. 3º da Lei nº 9.605/1998, a responsabilização penal das pessoas jurídicas não afasta a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. Tal disposição consagra, entre nós, o sistema da dupla imputação, segundo o qual a responsabilidade da pessoa jurídica implica, necessariamente, a responsabilização penal das pessoas naturais que participaram do mesmo delito.

Nesse prisma, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já assentou que: "admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" (STJ, 5ª Turma, REsp nº 889.528/SC, Rel. Min. Felix Fischer, DJU 18.06.2007. No mesmo sentido: STJ, 6ª Turma, REsp nº 847.476/SC, Rel. Min. Paulo Galotti, j. 08.04.2008, v.u.).

À luz de tais premissas, o § 3º do art. 225 da Constituição do Brasil de 1988 pode, perfeitamente, ser interpretado como norma autorizadora da aplicação de sanções penais também a pessoas jurídicas, de modo a conferir máxima efetividade à tutela do meio ambiente, bem jurídico esse mais freqüentemente violado por entes coletivos do que por pessoas naturais.

COSTA, William da. Breves comentários acerca da responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais. Disponível em http://www.lfg.com.br. 19 de dezembro de 2008

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