domingo, 1 de março de 2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - O DELITO DE CORRUPÇÃO E A REPERCUSSÃO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA NA ESFERA ADMINISTRATIVA

José Renato Martins
Doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo - USP. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP. Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do Estado de São Paulo. Coordenador do Curso de Direito Campus Taquaral da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP. Professor de Teoria Geral do Estado, Direito Constitucional e Direito Penal na Faculdade de Direito na UNIMEP.



1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho destina-se tecer alguns comentários sobre os conceitos de Administração Pública e de funcionário público, discorrendo sobre os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do assunto, bem como examinar os crimes de corrupção passiva e corrupção ativa, previstos no Código Penal brasileiro, nos artigos 317 e 333, tecendo breves considerações sobre os mesmos e diferenciando-os de outros, eventualmente semelhantes, em especial dos delitos de concussão/excesso de exação e extorsão.

A doutrina explica o conceito de Administração Pública para fins penais, bem jurídico tutelado no Título XI do Código Penal e cuja ofensa caracteriza os chamados crimes funcionais, tendo como sujeitos ativos os funcionários públicos.

Magalhães Noronha entende que o conceito de Administração Pública para fins penais deve ser tomado de modo amplo, a ultrapassar o conceito que a limite como a atividade única do Poder Executivo. Diz o autor, em sua obra, o seguinte:

Razão teleológica do Estado é a consecução do bem comum. Para isso, tem ele que realizar finalidade que busque, em síntese, a preservação da independência no exterior e à manutenção da ordem no interior. Quanto à primeira, é óbvio ser requisito substancial de sua existência, já que as limitações que sofre na órbita internacional têm que ser por ele aceitas livremente, não podendo depender de outro Estado, pois as relações entre eles só podem ser de cooperação e coexistência, com o supedáneo da liberdade e igualdade. Relativamente ao segundo objetivo - a ordem, tomada em sentido amplo - impõe-se com toda a evidência, porque a ele cabe ditar as normas necessárias à harmonia e equilíbrio sociais.

O Título XI da Parte Especial do Código Penal, atualmente está divido em quatro Capítulos. É justamente nos dois primeiros (Capítulos I e II), que se acham tipificadas as condutas objeto de estudo do presente trabalho, a primeira (corrupção passiva), cometida por pessoas que integram a Administração Pública, desenvolvendo a função pública, que são os funcionários públicos ou os intranei; a segunda (corrupção ativa), praticada por pessoas que não a integram, que são os particulares, denominados extranei.

Os crimes funcionais vêm divididos pela doutrina em próprios e impróprios. Crimes funcionais próprios são os que a função pública exercida pelo agente "é elemento tão relevante que, sem ele, o fato seria, de regra, penalmente atípico ou irrelevante". Já os crimes funcionais impróprios "são aqueles em que o fato seria igualmente criminoso, porém sob outro título, se não viesse cometido pelo funcionário".


1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CONCEITO

Conceituar Administração é tarefa que apresenta dificuldade porque a palavra pode assumir diversos significados, inter-relacionados, embora ostente a mesma grafia. No entanto, é preciso fixar esse conceito porquanto o sujeito passivo dos delitos em estudo é a Administração Pública.

Edmir Netto de Araújo ensina que o sentido técnico-jurídico que interessa é oposto ao de propriedade e diz com poderes de gerência e conservação, quando, na atividade privada esses poderes são de disponibilidade e alienação. E destaca:

Administração privada (ou de empresas, sociedades, etc.) é a gerência de bens ou interesses privados ou particulares. Já quando os fins se referem ao Estado, é administração pública, que pode ser sinônimo de 'Administração' grafada com 'A' maiúsculo (máquina administrativa do Estado, seus órgãos e entidades) ou de 'administração' grafada com 'a' minúsculo (atividade de administrar, atividades administrativas).

Adverte o autor, a seguir, que não se deve confundir Administração com Governo, sendo esse último o "conjunto de funções estatais básicas" e Administração "o conjunto de funções/atribuições necessárias aos serviços públicos, a serem desempenhadas por órgãos ou entidades do Estado".

Para Hely Lopes Meirelles, por sua vez:

Em sentido lato administrar é gerir interesses, segundo a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação alheias. Se os bens e interesses geridos são individuais, realiza-se administração particular; se são da coletividade, realiza-se administração pública. Administração pública, portanto, é a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade no âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro observa que, basicamente, são dois os sentidos em que se utiliza mais comumente a expressão administração pública:

a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa;

b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a administração pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo.

E prossegue, apontando outra distinção feita por alguns autores, a partir da idéia de que administrar compreende planejar e executar:

a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente considerada, compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo), aos quais incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também os órgãos administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém objetivamente considerada, a administração pública compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa;

b) em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o aspecto subjetivo apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no segundo, a função política.

A Administração Pública, em sentido subjetivo é definida, pela autora, como "o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado". Essa conceituação abarca tanto a Administração Direta quanto à chamada Administração Indireta.

0 Decreto-lei n° 200, de 25/02/1967, em seu artigo 4°, com a redação dada pela Lei federal n° 7.596, de 10/04/1987, enumera os entes que compõem a Administração Pública, subjetivamente considerada. A norma é federal e dirige-se à União, mas, sem dúvida, se incorpora aos Estados e Municípios, que admitem as mesmas entidades como integrantes da Administração Indireta.

Art. 4°. A administração federal compreende:

1 - a administração direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios;

II - a administração indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) autarquias;
b) empresas públicas;
c) sociedades de economia mista;
d) fundações públicas.

Foram introduzidas, ainda, pela Emenda Constitucional n° 19/1998, outras figuras jurídicas que mantêm vínculo com a Administração. São elas as organizações sociais que não compõem a Administração indireta e as agências executivas que têm natureza autárquica ou fundacional e, portanto, personalidade pública, integrando, destarte, a Administração indireta.

Por fim, cumpre anotar a moderna prática de distribuir a execução e a prestação dos serviços públicos, por via de desconcentração ou descentralização.

A desconcentração não oferece maior dificuldade eis que, como leciona Edmir Netto de Araújo, nessa hipótese "não há a criação de outras pessoas jurídicas diversas do Estado, mas atribuição de determinadas competências a serem exercidas no âmbito da mesma pessoa jurídica" por vários órgãos de uma mesma entidade.

Já na descentralização, de acordo com o mesmo autor, existe sempre "a idéia de retirar do centro (órgãos centrais) poderes decisórios para prestação do serviço público, e distribuí-los por órgãos periféricos (locais) ou entidades diversas do Estado". Há outorga do serviço quando o Estado transfere sua titularidade a uma das entidades criadas por lei (autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista) e há delegação quando o Estado transfere, por contrato (concessão, permissão) ou ato unilateral (autorização ou decreto), apenas a execução do serviço, mantendo a titularidade. O autor considera que essas entidades às quais foi conferida a prestação do serviço público farão parte da Administração descentralizada, mas não da Administração Indireta, por não estarem arroladas no Decreto-lei federal n° 200/67. A lei paulista - Decreto-lei complementar n° 07/69 não fala em Administração indireta e sim em descentralizada, incluindo as empresas das quais o Estado mantém controle acionário, independente terem sido criadas por lei.

Para o Direito Penal, segundo Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Júnior, o conceito de administração pública é mais amplo. Abrange toda a atividade estatal, seja administrativa, legislativa ou judiciária, em sentido subjetivo e objetivo. Afirmam os autores:

Sob a angulação subjetiva, a administração pública é entendida como o conjunto de entes que desempenham funções públicas. Sob o aspecto objetivo, considera-se como administração pública toda e qualquer atividade desenvolvida para satisfação do bem comum. Em outras palavras: em direito penal, administração pública equivale a sujeito-administração e atividade administrativa.

O conceito de funcionário público, para efeitos penais, está expresso no artigo 327, do Código Penal brasileiro, que em sua nova redação elegeu o critério funcional, ao definir que é funcionário público aquele que exerce atividade típica da Administração.

Essa definição é válida para todos os casos em que o Código Penal ou leis especiais se refiram a funcionário público, seja quando esse é sujeito ativo do crime, seja quando é sujeito passivo, o ofendido, como v.g., no delito de desacato.

A concepção objetiva adotada pelo Código tem como nota marcante o tipo de atividade desenvolvida pelo funcionário. Não importa que o sujeito seja empregado, ou não, não importa que o encargo seja exercido temporária ou permanentemente, voluntária ou obrigatoriamente, com retribuição ou não. Vale que o sujeito desenvolva, de fato, uma atividade específica.

Função pública, em sentido formal é a atividade de interesse público a que o Estado considera relevante para seu ordenamento jurídico. Em sentido material, é a atividade de interesse público, que visa à satisfação de necessidades coletivas.

O § 1°, do artigo 327, CP, estende a conceituação de funcionário público àquele que esteja vinculado à administração indireta e descentralizada.

A definição do Estatuto Repressivo não corresponde à do Direito Administrativo, em que a expressão funcionário público é usada na acepção estrita, e serve para qualificar o titular de cargo que mantenha vínculo estatutário com a Administração. Aliás, essa expressão não foi encampada pela Constituição Federal de 1988, tampouco pelas Emendas 19 e 20, que alteraram o seu texto. A Lei Maior utiliza a expressão servidor público, em sentido amplo, que abrange todos os agentes públicos vinculados à Administração. Confira-se, a propósito, Hely Lopes Meirelles:

Servidores públicos em sentido amplo, no nosso entender, são todos os agentes públicos que se vinculam à Administração Pública, direta e indireta, do Estado, a) sob regime jurídico estatutário regular, geral ou peculiar, ou b) administrativo especial, ou c) celetista (regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT), de natureza profissional e empregatícia.

No Direito Administrativo é expressiva a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, da qual se podem extrair importantes subsídios na conceituação de funcionário público, para os efeitos penais. Sua definição está bem próxima dos objetivos do Código Penal.

Nesse sentido, diz o autor o seguinte: Os servidores públicos são uma espécie dentro do gênero "agentespúblicos "...

Esta expressão - agentes públicos - é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional e episodicamente.

Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas púbicas, das sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os concessionários e permissionários de serviço público, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos.

Dentre os mencionados, alguns integram o aparelho estatal, seja em sua estrutura direta, seja em sua organização indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações governamentais). Outros não integram a constelação de pessoas estatais, isto é, são alheios ao aparelho estatal, permanecem exteriores a ele (concessionários, permissionários, delegados de função ou ofício público, alguns requisitados, gestores de negócios públicos e contratados por locação civil de serviços). Todos eles, contudo, estão sob um denominador comum que os radicaliza: são, ainda que alguns deles apenas episodicamente, agentes que exprimem manifestação estatal, munidos de uma qualidade que só podem possuir porque o Estado lhes emprestou sua força jurídica e os habilitou a assim agirem ou, quando menos, tem que reconhecer como estatal o uso que hajam feitos de certos poderes.

Dois são os requisitos para a caracterização do agente público: um de ordem objetiva, isto é, a natureza estatal da atividade desempenhada; outro de ordem subjetiva: a investidura nela.


2. Corrupção

O crime de corrupção existia na Consolidação das Leis Penais sob nome diverso. Intitulava-se "peita ou suborno". Embora as palavras fossem empregadas como sinônimas,enunciavam, realmente, duas modalidades. Já era assim no Código Criminal do Império. No antigo Estatuto Repressivo de 1830, estava configurada a peita quando o funcionário recebesse dinheiro "ou algum tipo de donativo". Já o suborno ocorria quando o funcionário se deixasse corromper por influência ou (é textual) "outro peditório de alguém".

Atualmente, verificamos que a hipótese das vantagens materiais está localizada no artigo 317, caput e no seu parágrafo 1°, e deparamos no parágrafo 2° a alusão à influência de outrem, o que vem caracterizar o suborno, tal qual era previsto no Código Criminal do Império. Temos, pois, no artigo 317 e seus parágrafos, a peita ou suborno (corrupção, para usarmos a denominação vigente).

O delito em comento é dividido em corrupção passiva e corrupção ativa. Esta, quando o agente é um particular que exerce no funcionário a influência perversiva, crime previsto no artigo 333; aquela, em que figura como autor do crime o funcionário público, delito tipificado no artigo 317.

Crime funcional que é, a corrupção passiva não se confunde com os delitos de extorsão e concussão. Corrupção, conforme Magalhães Noronha é o "comportamento do funcionário inescrupuloso que, tomado pela preocupação absorvente da busca pelo ouro, trafica sua atividade para atingir esse objetivo, degradando-a. Auferindo proveitos de sua conduta torpe, é ele verdadeiro proxeneta da função".

Busca-se, com isso, tutelar a moralidade da administração pública, o normal funcionamento das atividades administrativas, mercê dos princípios de retidão e lisura que hão de norteá-las. Logo, tanto os seus interesses materiais quanto morais.

Cabe lembrar que nesse crime, que é próprio, "a bilateralidade não é requisito indispensável da corrupção. Por isso cogitou o Legislador da corrupção em duas formas autônomas, separadamente, conforme a qualidade do agente". Destarte, não se trata de crime de concurso necessário.

Todavia, Fragoso frisa o seguinte: "Na forma receber, o crime é bilateral, sendo inconcebível a condenação do agente sem a do correspondente autor da corrupção ativa (RTJ59/789)".

O crime de corrupção passiva não se confunde com o crime de concussão. Assim, exigir (que tem um caráter, sobretudo impositivo, valendo-se o agente do temor de seu poder público), é mais que apenas solicitar.

A solicitação praticada pelo funcionário público tem a significação de um verdadeiro mercadejo comércio de sua função. É um diálogo travado com o particular, que na oportunidade se encontra em paridade com o funcionário público, podendo inclusive impor também suas condições e necessidades.

Dessa forma, na corrupção há um diálogo "horizontal", de certa forma "paritário", ao passo que na concussão o diálogo será "vertical", realizado "de cima para baixo", sem paridade alguma.

Um outro aspecto a ser analisado é a conduta do particular que a despeito de uma solicitação do funcionário público corrupto, acabada atendendo o seu pedido. Trata-se a corrupção, na verdade, de um crime de mera conduta (perigo de perigo).

Para alguns, a conduta de dar praticada pelo particular resta plenamente configurado o verbo oferecer do crime de corrupção ativa (artigo 333).

Não nos parecer ser esse o melhor entendimento. O próprio legislador, no artigo 343, cuidou de diferenciar o oferecer, conduta tipificada no crime do corruptor, de dar, significando a existência de duas condutas distintas que, de acordo com o entendimento de Casolato:

No sistema do Código Penal que vige, oferecer deve ser entendido como uma coisa - tomar a iniciativa de exibir a vantagem para que seja aceita; acenar com a vantagem, iniciando o diálogo corruptivo -, ao passo que dar deverá vir entendido com outra - entregar a vantagem; pô-la à disposição do recebedor, sem que isso implique a tomada da iniciativa, ínsita no núcleo oferecer.

De se consignar também, que em recente reforma legislativa que acrescentou o Capítulo II-A (Dos crimes praticados por particular contra a Administração Pública estrangeira), no Título dos crimes contra a Administração Pública, o legislador atual manteve o binômio dar e oferecer no crime de corrupção ativa (art. 337-B).

Diferente do que ocorre no crime de concussão, a expressão vantagem na corrupção, segundo a maioria do entendimento doutrinário tem sentido amplo. Tal entendimento se coaduna com a figura do parágrafo 2°, em que a ação do funcionário cede ao mero pedido ou à simples influência.
Dessa forma, ainda de acordo com o raciocínio de Casolato:

Verifica-se ter a lei considerado como corrupção a ação do funcionário que cede ao mero pedido ou à simples influência. Por que não será, pois, corrupção, quando ele agir, promovendo interesse seu ou de outrem, embora não de natureza patrimonial? Se se pune o menos, como não se punir o mais? Se é corrupto quem cede a simples pedido (desinteressadamente), por que não o será quem busca interesse próprio?

Distingue-se, em cada uma das formas de corrupção, entre a própria da imprópria. Na primeira, corrupção própria, o ato funcional objeto da venalidade é ilícito, contrário aos deveres funcionais do servidor; já na corrupção imprópria, a prática do ato mercadejado é lícita, legítima, regular, conforme ao dever funcional, apenas (é óbvio) que o agente não pode receber qualquer vantagem estranha à sua legal remuneração para realizá-lo. Aliás, a licitude ou ilicitude do ato funcional negociado será levada em conta pelo magistrado quando da dosimetria da pena.

Seja ativa ou passiva, seja própria ou imprópria, a doutrina também distingue a corrupção antecedente da subseqüente. A primeira ocorre quando a recompensa é oferecida, prometida, solicitada ou recebida ou tem sua promessa aceita antes da realização do ato funcional (a conduta típica da corrupção antecede a prática funcional); a segunda, quando o oferecimento, a promessa, a solicitação ou o recebimento da vantagem ou sua aceitação ocorre após a realização do ato funcional, sem que houvesse entabulado qualquer acordo ou promessa de vantagem, em uma situação em que o funcionário agiu na esperança ou na certeza de que se lhe seguiria a ilegítima recompensa, recompensa que, agora e então, ele solicita, recebe ou cuja promessa aceita (a conduta típica da corrupção se subsegue àprática funcional).

Quanto ao elemento subjetivo do tipo, somente é admitida a conduta dolosa, consubstanciada na vontade de comerciar o ato funcional, com a evidente ciência de que suaprática (abstenção) não pode comportar uma tal recompensa ou retribuição (por isso mesmo indevida). A cláusula para si ou para outrem caracteriza o que a doutrina chama de "dolo específico" (ou elemento subjetivo específico do tipo) e marca, na definição do crime de corrupção, a consciência por parte do funcionário do destino que dará à vantagem eventualmente recebida.

Por derradeiro, o delito de corrupção é de consumação antecipada (crime formal), bastando para sua consumação o só oferecimento ou promessa, pelo particular, ou então, a mera solicitação ou a só aceitação da promessa da vantagem, "mesmo que não fosse intenção do intraneus praticar a ação ou abstenção de que se cogite", assinala Hungria, para quem, ainda na hipótese de efetivo recebimento da vantagem, "não importa que o intraneus, por arrependimento ou obstáculo superveniente, deixe de cumprir o torpe ajuste: o crime se considerará como levado ad exitum".

Entretanto, questão mais delicada é aquela que trata da tentativa desse crime.

Para Hungria, "não é concebível, em qualquer caso, a tentativa" Paulo José também não vislumbra tal possibilidade, "em nenhuma hipótese". Nem a corrupção passiva, nem a corrupção ativa admitiriam, pois, a modalidade tentada, Quanto ao funcionário, será punido como réu de crime consumado, se se limitar a pedir. Mesmo que não receba o ilícito provento, estará perfeita a infração. No que toca ao particular, consumará o delito ainda que se restrinja a um oferecimento, repetido ou não. Pode dar-se que o oferecimento não seja repelido e, no entanto, não chegue a converter-se em aceitação, por motivos alheios aos interessados no conchavo. Perante a lei, o crime estará consumado.

Por outro lado, Noronha diverge desse posicionamento, assinalando, porém, a dificuldade prática do conatus. Para ele, se a solicitação se fizer por escrito e vier a ser interceptada antes de chegar ao destinatário terá havido mera tentativa. "Uma solicitação que não chega ao conhecimento do solicitado é solicitação imperfeita, inacabada ou tentada".

A respeito da consumação de aceitar promessa, Fragoso entende o seguinte:

O crime em tal caso consuma-se quando o agente manifesta de forma inequívoca (por palavras ou atos) sua aceitação da promessa feita. A forma mais eloqüente de o fazer é precisamente a de praticar ou deixar de praticar a ação que constitui fundamento ou condição da promessa.

De outro lado, receber ou mesmo tentar receber a vantagem anteriormente prometida será inequívoco comportamento demonstrador da referida aceitação. Só se move para "entrar na posse" da vantagem quem já a aceitou. O ato de receber ou tentar receber constitui, pois, uma exteriorização sinalizadora da prévia aceitação da vantagem previamente prometida.

Logo, cabe discutir o núcleo receber. Tentar receber é algo faticamente possível. Receber é conduta plurissusistente que se consumaria quando da "tradição" plenamente efetivada, que resultasse em efetivo poder de disponibilidade sobre a vantagem. Imagine-se, para tanto, a ação policial que flagra o sujeito quando ele estende a mão para apanhar o dinheiro que lhe é exibido pelo entregador. Terá havido recebimento? Pensamos que não: tratar-se-á de mera tentativa de receber.

Pois bem, tentar receber redundará na demonstração do crime consumado na modalidade aceitar promessa de vantagem? Sim, como vimos, se se provar que houve anterior promessa feita pelo particular. Mas e se não houve o ato prévio de prometer vantagem, como ficamos? O particular simplesmente estende a vantagem em clara demonstração do intuito de dá-la e o funcionário resolve, então, recebê-la.

Temos que, se for possível equiparar aceitar promessa de vantagem (o menos tipificado) com aceitar receber vantagem (o mais que não está expresso no tipo), estaremos diante de um crime cujo núcleo tentado (receber) bastará para consumar o delito à luz de outro núcleo (aceitar promessa), integralmente caracterizado pela só tentativa daquele. De fato, admitindo-se que se incrimine como crime consumado a aceitação de uma vantagem que não se exibe, mas se promete exibir, não teria sentido não punir da mesma forma a aceitação de vantagem que se exibe.

Conforme Fragoso: "A tentativa é juridicamente possível na forma de receber (sem anterior solicitação), especialmente no caso de corrupção subseqüente".

Importa, a partir de agora, tecermos alguns comentários sobre os tipos penais circunstanciais previstos nos artigos 317 e 333 do Código Penal.

O legislador revestiu o exaurimento do delito de corrupção passiva com a natureza jurídica de causa especial de aumento de pena, ao prever, no parágrafo 1° do artigo 317, a elevação da pena do agente em um terço quando ele, em razão da vantagem recebida ou prometida, efetivamente retarda (atrasa ou procrastina) ou deixa de praticar (não leva a efeito) ato de ofício que lhe competia desempenhar ou termina praticando o ato, mas desrespeitando o dever funcional.

De fato, já consumado (com a vantagem já recebida, ou com a promessa já aceita pelo funcionário que, então, já solicitou, recebeu ou aceitou a promessa de referida vantagem), o crime "prossegue" para atingir conseqüência ulterior: o efetivo desvio de comportamento do funcionário, que agora se dará sob o aspecto material (o desvio moral já se deu quando da conduta que consumou o crime). Assim é que o corrupto, por causa da corrupção, passa a realizar comportamento funcional indevido em sentido estrito, vale dizer, retarda ato de ofício (relegando sua prática para realizá-la somente após o transcurso de tempo significativo, ultrapassando o prazo de sua realização), deixa de praticar tal ato (simplesmente abstendo-se de realizá-lo como se lhe impunha), ou pratica o ato infringindo dever da função (cometendo ato irregular, ilegal, contrário às normas de realizabilidade).

O tipo exasperador em comento trata, na verdade, de hipótese de corrupção antecedente. A corrupção antecede a prática (retardamento, omissão) funcional negociada pelo agente público.

E mais: são, todas, hipóteses de corrupção própria (é indevido o retardar, é indevido o deixar de praticar, é indevido o praticar infringindo dever funcional). Além disso, o ato praticado pelo funcionário pode constituir, por si só, um crime autônomo -extravio de documento (artigo 314), facilitação de contrabando (artigo 318), violação de sigilo funcional (artigo 325), por exemplo. Se isto ocorrer, a nosso ver caberá observar este último delito. Seja ele um crime subsidiário, como o dos mencionados artigos 314 e 325, e o melhor será desconsiderá-lo enquanto delito autônomo e tomar a sua prática para a afirmação da corrupção majorada, atendendo-se a sua preconizada subsidiariedade. Se, todavia, o crime funcional cometido pelo corrupto em virtude da corrupção não ostentar o caráter do subsídio, tal como ocorre na hipótese do artigo 318, já se poderá pensar em um concurso entre este e ocrime do estudado artigo 317, apenas que tal concurso não poderá vir à luz de uma corrupção agravada, sob pena de bis in idem.

De seu turno, o legislador atribui o mesmo colorido - causa especial de aumento de pena - ao tipo previsto no parágrafo único do artigo 333, cuja pena aplicada ao particular também será elevada da terça parte quando, em razão da promessa ou da vantagem, efetivamente o agente público atrasa ou não faz o que deveria, ou mesmo não pratica o ato, infringindo dever funcional. Nessa hipótese, o crime é material, isto é, exige resultado naturalístico.

Por derradeiro, há que se comentar também o tipo constante do parágrafo 2° do artigo 317: a corrupção (passiva) privilegiada.

Aqui não é a vantagem, o interesse próprio em obtê-la, que move o servidor. No caso, ele trai seu dever funcional "para ser agradável ou por bajulação aos poderosos, que o solicitam; ou por se deixar seduzir pela 'voz de sereia' do interesse alheio", explica Hungria.

Paulo José, a seu turno, leciona: "Não existe na conduta criminosa venalidade alguma. O funcionário, por vezes carreirista, por vezes desprovido de personalidade suficientemente robusta, deixa-se influenciar pelos pedidos dos mais graduados, ou pela intervenção indevida dos poderosos". Como se nota, o que há é deferência, uma ilegal deferência.

Fragoso, por sua vez, lembra a incriminação, no Código Penal de 1830, do crime que ali se chamou suborno: "deixar-se corromper por influência ou peditório de alguém, para obrar o que não dever ou deixar de obrar o que dever".

A modalidade privilegiada objeto de análise constitui corrupção antecedente, em que antes da prática (abstenção) funcional há o anuir ao pedido ou à influência. A cláusula "com infração de dever funcional", informando, no tipo, os três núcleos, dá a perceber, também, tratar-se de corrupção própria.

A propósito, Mirabete lembra, oportunamente, que a consumação, neste caso, terá momento distinto: "Opera-se a consumação quando caracterizado o retardamento, a omissão ou a prática do ato de ofício, ao contrário do que ocorre nas demais modalidades típicas semelhantes". Estamos, portanto, diante de crime material, e omissivo nos núcleos retardar e deixar de praticar o ato de ofício.

À guisa de conclusão, vale lembrarmos a previsão do delito de corrupção em diversas leis penais esparsas, a saber: Lei n° 1.079/50, art. 9°, n° 6 (crimes de responsabilidade); Lei n° 4.729/65, art. 1°, V (crimes de sonegação fiscal); Lei n° 4.737/65, art. 299 (crimes eleitorais); Lei n° 4.898/65, art. 4°, f (crimes de abuso de autoridade); Lei n° 7.492/86, art. 7°; art. 17 e parágrafo único (crimes contra o sistema financeiro nacional); Lei n° 8.137/90, art. 2°, III; art. 3°, II; art. 6°, I e III (crimes contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo); Lei 8.666/93, art. 92 e parágrafo único (crimes na lei de licitações e contratos da Administração Pública); Lei n° 9.279/96, art. 195, IX e X (lei que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial); Lei n° 9.434/97, art. 14, § 1° (lei que dispõe sobre remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento).


4. Concussão/excesso de exação e crime de extorsão

O mestre Nelson Hungria utiliza a seguinte expressão para denominar o crime em tela: "uma espécie de extorsão", sendo seguido por boa parte da doutrina. Contudo, data venia, tal expressão não nos parece apropriada para denominar o crime de extorsão.

A conduta de exigir do crime de concussão não implica em constranger, núcleo do tipo de extorsão e que aponta sua prática em uma verdadeira coação. Coagir não é exigir, pelo menos não é ainda.

Na conduta de exigir, o funcionário público provoca uma sensação de medo no particular, de modo a intimidá-lo com o seu poder legítimo. Logo, imprescindível que o funcionário público se valha de sua função para atemorizar o extraneus.

Contudo, caso o funcionário passe a ameaçar o particular em face de uma eventual recusa, ou até mesmo utilizar-se de violência física para compelir, ele particular, a cumprimento de sua ordem, crime de extorsão haverá.

Registre-se o respeitável entendimento doutrinário de que, mesmo existindo a ameaça na conduta de exigir, se esta não foi determinante, ou foi desnecessária para impelir o comportamento do particular no cumprimento da vantagem indevida, o crime continua sendo concussão.

Ademais, o melhor argumento de que concussão não é extorsão, encontra-se na mesma doutrina tradicional que diferencia os crimes funcionais próprios dos crimes funcionais impróprios.

Ao tratarem do assunto, os doutrinadores alistam entre os crimes funcionais próprios o delito de concussão, ou seja, delito cuja condição do agente de ser funcionário público é tão relevante que, sem ela, o fato seria penalmente atípico.

Ao revés, admitir que o crime de concussão fosse uma espécie de extorsão, vale dizer, em não sendo o agente funcionário público praticasse o crime de extorsão, só seria possível caso se considerasse a concussão um crime funcional impróprio, ao contrário do que nos ensina a doutrina.

Por derradeiro, a concussão, distinta da extorsão, implica em uma pluriofensividade: o mal uso da potestade administrativa outorgada ao funcionário, a moralidade administrativa, e o patrimônio.

No que diz respeito à vantagem exigida, a doutrina se divide em considerá-la de natureza patrimonial ou não. A vantagem que é indevida, para alguns é de natureza econômica, e para outros poderá ser de qualquer natureza.

Aqui, nos parece que o a expressão vantagem pode significar tanto de natureza econômica como de outra natureza - sexual, moral, profissional etc. -, pois a lei não distingue. Tal afirmativa se reforça através de uma interpretação terminológica com o excesso de exação (forma clássica de concussão).

Sinteticamente, para melhor diferenciarmos tais delitos na prática, podemos entender que a base da distinção entre os mesmos se acha na relação de poderes, de forma a se entender o seguinte:

•"solicitar", significa um pedir simplesmente;
•"coagir", significa constranger, com violência ou grave ameaça;
•"exigir", significa pedir com conteúdo de poder, com sanção, ainda que legítima.

5. Ilícito penal e ilícito administrativo - repercussão da sentença penal na esfera administrativa - o princípio da autonomia das instâncias

As relações do direito disciplinar com o direito penal são estudadas pela doutrina, havendo corrente que admite analogia entre as sanções disciplinares e as penais quanto aos fins (Manzini, Otto Mayer, Dolhamann), outra que reconhece a identidade dos meios usados nas diversas espécies de sanções, embora diferentes as normas aplicadas (Liszt, Jellinek, Raneletti, Santo Romano) e outra que estabelece perfeita afinidade com o direito penal (Mittermayer, Mater, Hauriou, Presutti).

Parece-nos mais próxima de nosso sistema a última tendência.

Themístocles Brandão Cavalcanti, observa que, de acordo com essa tendência o direito disciplinar se aproxima muito do direito penal, estabelecendo, de início a identidade das penas que para ele são originárias do direito penal. No entanto, admite que as sanções penais têm âmbito mais largo, que as distinguem das sanções puramente disciplinares. A principal nota de sua teoria reside em que a pena criminal fica na dependência de uma especificação legal maior que defina o crime, bem como todos os seus elementos, o que não ocorre com a falta disciplinar, mencionada de forma genérica na lei. Além disso, a pena disciplinar é imposta pelo poder administrativo enquanto a sanção penal é aplicada pelo poder jurisdicional, com todas as regras processuais. Essa pode atingir qualquer indivíduo, enquanto a pena disciplinar só alcança aqueles dependentes da administração e subordinados hierarquicamente. Embora próximos, o autor ressalta que não existe relação de subordinação entre o direito administrativo e o penal.

O ilícito administrativo, à semelhança do ilícito penal, é lesão efetiva ou potencial a um bem jurídico, pois de outro modo não se compreenderia a existência de um direito administrativo disciplinar.

Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Jr. consideram a diferença entre ilícito penal e ilícito administrativo apenas de grau, e não ontológica já que o último não apresenta suficiente gravidade para ser erigido em delito penal. "A falta disciplinar representa um minus com respeito ao crime. E a pena criminal, um plus com relação à sanção disciplinar". E ofazem inspirados nos ensinamentos de José Cretella Jr., que transcrevem e que reputamos relevante reproduzir: "No campo do direito, o ilícito alça-se à altura de categoria jurídica e como entidade categorial, é revestida de unidade ôntica, diversificada em penal, civil, administrativa, apenas para efeito de integração, neste ou naquele ramo, evidenciando-se a diferença quantitativa ou de grau, não a diferença qualitativa ou substancial".

Na doutrina administrativa prevalece a idéia de independência das esferas penal e disciplinar, com algumas exceções. Uma delas é quando a condenação criminal envolve medida de ordem administrativa, e a repressão disciplinar passa a ser um efeito dessa condenação, evitando-se duplicidade de penas. Trata-se de um efeito da condenação penal previsto no artigo 92, inciso I, do Estatuto Criminal e interfere na instância disciplinar já que a Administração submete-se à coisa julgada penal.

Repercute, também, no âmbito administrativo, a sentença penal condenatória, quando proferida em ação proposta para investigar a mesma conduta perquirida na órbita disciplinar. Ou ainda, nessa mesma circunstância, repercute a sentença penal absolutória que negar a existência do fato ou a autoria.

Não interferem na esfera disciplinar: absolvição por falta de provas, absolvição por atipicidade da conduta, arquivamento de inquérito policial, não instauração de inquérito policial, rejeição de denúncia, sentença de impronúncia por insuficiência de provas, extinção de punibilidade pela prescrição, absolvição por sentença não transitada em julgado.

Não se dá ainda a repercussão quando a conduta administrativamente punida não corresponda ao ilícito penal em relação ao qual a absolvição foi proferida, ou quando consista em procedimento irregular, embora não criminoso.

Para o Prof. Edmir Netto de Araújo o julgamento administrativo deve ajustar­-se ao que se decidiu no crime, seja quando há dupla condenação, isto é, na esfera administrativa, confirmada na instância penal, seja quando a condenação penal ocorra em caso no qual se deu a absolvição administrativa, devendo ser revisto o julgamento disciplinar. A dupla absolvição também confirma o julgamento administrativo. Mas, haverá casos de repercussão, como lembra, quando a sentença penal absolutória estiver fundamentada na inexistência do fato, na falta de prova de existência do fato ou na não vinculação do fato ao pretenso autor. Ao considerar como hipótese de interferência a falta de prova de existência do fato (prevista no inciso IV, do CPP), inova na doutrina em companhia do Prof. José Cretella Jr.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, digna representante da doutrina tradicional:

Repercutem na esfera administrativa as decisões absolutórias baseadas nos incisos I e V (do artigo 386, do CPP); no primeiro caso, com base no artigo 1525 do Código Civil e, no segundo, com esteio no artigo 65 do Código de processo Penal.

Não repercutem na esfera administrativa:

1.a hipótese do inciso III, porque o mesmo fato que não constitui crime pode corresponder a uma infração disciplinar; o ilícito administrativo é menos do que o ilícito penal e não apresenta o traço da tipicidade que caracteriza o crime;

2.as hipóteses dos incisos II, IV e VI, em que a absolvição se dá por falta de provas; a razão é semelhante à anterior: as provas que não são suficientes para demonstrar a prática de um crime podem ser suficientes para comprovar um ilícito administrativo.

A Constituição do Estado de São Paulo de 1989 traz dois dispositivos relativos à reintegração do servidor público absolvido pela Justiça Criminal, a saber os artigos 136 e 138, § 3°:

Artigo 136. O servidor público civil demitido por ato administrativo, se absolvido pela Justiça, na ação referente ao ato que deu causa à demissão, será reintegrado no serviço público, com todos os direitos adquiridos.

Artigo 138, § 3°. O servidor público militar demitido por ato administrativo, se absolvido pela Justiça, na ação referente ao ato que deu causa à demissão, será reintegrado à Corporação com todos os direitos restabelecidos.

Para definir a matéria, delimitando a aplicação dos preceitos, foi editado, na esfera estadual, o Despacho Normativo do Governador, publicado no Diário Oficial do Estado de 30 de março de 1990:

Tendo em vista a manifestação da Procuradoria Geral do Estado e os termos do Parecer 228/90 da Assessoria Jurídica do Governo, acolho em caráter normativo o entendimento que limita a aplicabilidade das regras dos artigos 136 e 138, § 3°, da Constituição Estadual aos casos em que a decisão judicial absolutória decorra da negação do fato ou de sua autoria e abranja todos os motivos determinantes do ato demissório.

Essa orientação, de resto, estava compatível com a Súmula n° 18, do Supremo Tribunal Federal:"Pela falta residual não compreendida na absolvição, é admissível a punição administrativa do servidor público".

Desse modo, além da reintegração do servidor demitido efetivada em cumprimento a decisão judicial, proferida no juízo cível e transitada em julgado, que expressamente determine tal reintegração, passou-se a promover, a reintegração, na via administrativa, na forma dos artigos 136 e 138, § 3°, em decorrência da coisa julgada criminal, que expressamente conclua pela inexistência do fato criminoso ou negativa de sua autoria.


6. Tendência jurisprudencial

O plenário do Tribunal de Justiça, por votação unânime, em 19 de setembro de 1990, dirimiu as questões fundamentais de constitucionalidade dos dispositivos da Carta Paulista que sofreram contestações nos primórdios de sua origem:

Diante do exame literal do artigo 136 da Constituição Estadual de 1989, ter-se ia como ilimitado o efeito da sentença absolutória na esfera administrativa. O legislador estadual teria desobedecido ao princípio de independência e harmonia dos poderes, invadido esfera de atribuições exclusivas da União em legislar sobre direito civil, penal e administrativo. Haveria assim manifesta violação dos artigos 2°, 22, I e 25 da Constituição da República de 1988. Mais adequada, todavia, a interpretação menos ampla do texto constitucional paulista, de forma a compatibilizá-lo com a Carta Federal. Daí porque deve prevalecer o entendimento de que o texto legal de que se trata não tem o alcance pretendido, fugindo à sua incidência a absolvição criminal ocorrida, como no caso, por insuficiência de provas, mormente quando não se sustente a demissão administrativa na condenação criminal (Mandado de Segurança n° 11.130-0, Sessão Plenária, RJTJESP 129/370).

Pode ser considerado paradigma, Acórdão proferido na Apelação Cível n° 116.139­1/9, pela 5a Câmara Cível do Tribunal de Justiça:

Insuficiência de provas: Certamente a Constituição não está se referindo à absolvição penal por falta de provas e sim à absolvição por motivos outros e catalogados no Código de Processo Penal. A absolvição do acusado, pela prática dos atos de natureza penal e que motivaram sua demissão do serviço público, só terá, nos termos da Constituição Paulista, efeito de ordenar a reintegração no serviço público, quando delineado no processo penal a nenhuma dúvida do julgador, quer quanto à autoria e materialidade. Não tem o in dubio pro reo maior efeito que a sua absolvição no campo penal. E certamente que o legislador constituinte não se posiciona de forma a afrontar os princípios mais básicos do Direito.

Depois, inúmeros outros arestos sufragaram a mesma orientação:

Falta funcional. O procedimento administrativo realizou-se regularmente, sem qualquer ilegalidade, ficando aí bem caracterizada a falta funcional imputada à apelante, que acabou gerando sua demissão, dada a gravidade da mesma. Nenhuma ilegalidade no ato demissório, portanto, pelo que não procede a pretensão reintegratória (Apelação Cível n° 140.505/0 - SP - 8a Câmara).

Insuficiência de provas. O fato de ter sido absolvido perante a Justiça comum, in casu, não o favorece. É que, tal absolvição, se lastreou na insuficiência de provas de ter praticado os crimes que lhe foram imputados. Não foi negada a existência dos delitos ou a própria autoria.

Conforme bem asseverou o ilustre Procurador da Justiça oficiante, analisando a norma invocada pelo impetrante, deve ser ela interpretada restritivamente, ou seja, ocorrerá a reintegração somente na hipótese de absolvição com negativa categórica do fato ou de sua autoria e abranja todos os motivos do ato demissório, bem como na hipótese de absolvição por excludente de criminalidade.

Caso contrário se chegaria à conclusão de que o dispositivo da Constituição Estadual é inconstitucional, porque viola a autonomia dos poderes do Estado e cria efeitos processuais e civis de uma sentença penal, sobre o que o Estado não pode legislar. Mas, reprise-se, a norma é válida e foi bem aplicada (Apelação Cível n° 142.787-1/0 - SP - 6a Câmara).

Também no Supremo Tribunal Federal a interpretação ora defendida encontra amplo respaldo, como se vê do acórdão proferido por unanimidade pelo plenário da Suprema Corte, em 22 de março de 1991, sendo relator o Ministro Aldir Passarinho:

Embora possa ter sido absolvido o funcionário na ação penal a que respondeu, não importa tal ocorrência na sua volta aos quadros do serviço público, se a absolvição se deu por insuficiência de provas, e o servidor foi regularmente submetido a regular inquérito administrativo, no qual foi apurado ter ele praticado o ato pelo qual veio a ser demitido. A absolvição criminal só importaria anulação do ato demissório se tivesse ficado provado, na ação penal, a inexistência do fato ou que o acusado não fora o autor (Ementa, Mandado de Segurança n° 20.814-7 - DF, in Lex - Jurisprudência do STF, 151/90).

Outros arestos trazem à colação a orientação tradicional do Excelso Pretório:

Funcionalismo. Demissão. Absolvição no juízo criminal. Repercussão no juízo cível. Falta residual. Súmula 18. A súmula n° 18 do STF reflete o princípio da autonomia da jurisdição cível e criminal, consubstanciado nos arts. 1525 do CC e 200 da Lei n° 1.711/52, segundo o qual a absolvição no juízo criminal não invalida a demissão, em processo administrativo, senão quando naquele se estabeleça a inexistência do fato ou da autoria. A absolvição por falta de provas não repercute na instância administrativa, sendo sempre possível a sanção administrativa pela falta residual (Recurso Extraordinário 99.958, in RTJ n° 106/893); e

Não há violação de direito líquido e certo na demissão de funcionário contra o qual ficou regularmente apurada a existência de faltas graves administrativas, sendo por isso mesmo irrelevante o arquivamento do processo penal contra o mesmo servidor (MS 19.581, in RT 423/255 e ainda MS 20.947).

Essa, também, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

A autonomia dos Poderes, por força constitucional, acarreta distinção entre a jurisdição criminal e a jurisdição administrativa. A primeira, no entanto, repercute de modo absoluto na segunda quando a sentença absolutória nega o fato ou a autoria da infração imputada. A conseqüência será, inexistindo resíduo, a perda de eficácia do ato administrativo (RMS n° 402 - RJ, 2a Turma, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, votação unânime, em 01.10.1990).
Igualmente, em outros Estados a mesma lógica tem imperado:

A absolvição criminal não invalida a demissão precedida de processo administrativo em que ficar comprovada conduta reprovável consistente em grave falta funcional, senão quando no Juízo criminal se estabeleça a inexistência do fato ou da autoria (TJ-GO, 4.9.90, DGJ 1.734 - Goiânia, in Jurisprudência Adcoas, Ementa n°131.982).

O arquivamento do inquérito policial, aqui, não tem o condão de repercutir na esfera administrativa. Já porque não se trata de decisão absolutória que tenha feito coisa julgada, mas de decisão cuja precariedade sobressai com a invocação, expressa, do artigo 18 do Código de Processo Penal, que permite o desarquivamento do inquérito diante de novas provas.

Mesmo que se tratasse de sentença criminal definitiva, e não de mero arquivamento de inquérito policial, a Administração tem sempre a preocupação de preservar a independência das instâncias, decidindo de acordo com seus critérios e com a prova colhida na esfera disciplinar, até porque a condenação criminal é sujeita a vários recursos e remédios, que podem alongar-se no tempo, como no caso da revisão criminal, do recurso especial, do recurso extraordinário e do habeas-corpus.

Conforme lição traçada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível n° 146.067.1/4 - SP, 8a Câmara, votação unânime, sendo relator o Desembargador Jorge Almeida:

A condenação penal reclama maior rigor probatório que a sanção administrativa. A prova suficiente no âmbito administrativo, para demissão, não é a mesma exigida para o juízo de condenação criminal. Daí ensinar Marcel Waline: "O julgamento penal não subordina a autoridade investida de poder disciplinar, a não ser na medida em que afirma a existência ou a inexistência material do fato incriminado, mas numa absolvição pode significar apenas que os fatos apurados não reúnem os elementos de um delito, podendo, entretanto, configurar numa falta disciplinar" (Traité élémentaire de droit administratif, 6a ed., p. 352, ed. 1952).

Existe, ainda, decisão recente do Tribunal de Justiça de São Paulo a reafirmar tal orientação:

Apelação - Policial militar - Demissão.Servidor acusado de participar de movimento paredista. Absolvição na ação penal por insuficiência de provas. Pretendida repercussão da absolvição criminal na esfera administrativa. Inadmissibilidade. Apenas a decisão que afirma a inexistência de crime ou de que o acusado seja o seu autor faz coisa julgada no cível e no âmbito administrativo. Existência, ademais, de resíduo administrativo. Recurso improvido. "A absolvição da ação penal, por falta de provas ou ausência de dolo, não exclui a culpa administrativa e civil do servidor que pode, assim, ser punido administrativamente e responsabilizado civilmente, posto que o ilícito penal é mais que o ilícito civil e o ilícito administrativo (TJSP - 3a Câm. de Direito Público; AC n° 58.912-5/0-SP; Rel. Des. Rui Stoco; j. 21/3/2000; v.u., in Boletim AASP 2211, de 14 a 20/5/2001).


7. Conclusões

1. Não é correto da doutrina tradicional a referência de que o crime de concussão seria "uma espécie de extorsão". O elemento do tipo de concussão é exigir sem violência ou grave ameaça à pessoa. A presença de violência física ou moral caracteriza o crime de extorsão.

2. Caracterizará o crime de concussão e não de extorsão a conduta do funcionário público praticada com a ameaça, desde que esta não foi determinante ou veio desnecessária para obtenção da vantagem indevida.

3. A expressão vantagem indevida no crime de concussão tem natureza em sentido amplo, que pode ser outra que não só a econômica. Isso em virtude da interpretação do parágrafo 1° do art. 316.

4. No crime de corrupção, a expressão vantagem tem sentido amplo, em virtude de interpretação com o parágrafo 2° do mesmo artigo.

5. A afirmação de Julio Fabrini Mirabete sobre o crime de concussão de que "ainda que a consumação ocorra com a exigência, é co-autor aquele que, sendo ou não funcionário, intervem posteriormente a conduta do agente, procurando auxilia-lo na obtenção da vantagem" ("Manual de Direito Penal", ed. Atlas, v. 3, p. 309), não está em consonância com o artigo 29 do Código Penal, já que o crime é formal e se consuma com a simples exigência. O auxílio posterior à consumação do crime não caracteriza caso de co-autoria.

6. A diferença conceitual entre os crimes de corrupção passiva e concussão é que, na primeira conduta o particular "recebe o pedido", e na segunda modalidade o particular "sofre" a exigência.

7. O crime de corrupção não é um crime bilateral ou de concurso necessário uma vez que na hipótese houve uma quebra a teoria monista da ação, punindo em figuras autônomas a conduta do particular da do funcionário público. Haverá o crime ainda que não se puna a conduta do particular.

8. A conduta de "dar" por parte do particular que atente a "solicitação" do funcionário público é atípica, já que são condutas distintas. Tanto é verdade que recente reforma legislativa que acrescentou o Capítulo II-A (Dos crimes praticados por particular contra a Administração Pública estrangeira), no Título dos crimes contra a Administração Pública, o legislador atual manteve o binômio dar e oferecer no crime de corrupção ativa (art. 337-B).

9. Não se confundem o ilícito penal com a falta administrativa.

10. A apuração da conduta infracionária na esfera administrativa deve ser promovida,ainda que os fatos estejam sendo investigados no âmbito criminal.

11. São independentes as instâncias penal e administrativa. A regra é a nãointerferência do julgado criminal perante a Administração.

12. Essa regra não é absoluta. Em certos casos há repercussão da decisão judicial naesfera administrativa.

13. A sentença penal condenatória sempre interfere no desfecho do processoadministrativo.

14. A sentença penal absolutória somente influirá na decisão administrativa se negar ofato ou a autoria do delito.

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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A improcedência do pedido de anulação do Decreto Extraditório de Battisti concedido à Itália - DÉCISION BATTISTI c. FRANCE - CEDH

DEUXIÈME SECTION
DÉCISION
SUR LA RECEVABILITÉ

de la requête no 28796/05présentée par Cesare BATTISTI contre la France
La Cour européenne des Droits de l'Homme (deuxième section), siégeant le 12 décembre 2006 en une chambre composée de :

MM. A.B. Baka, président,
J.-P. Costa,
I. Cabral Barreto,
Mmes A. Mularoni,
E. Fura-Sandström,
D. Jočienė,
M. D. Popović, juges,
et de Mme S. Dollé, greffière de section,
Vu la requête susmentionnée introduite le 3 août 2005,
Après en avoir délibéré, rend la décision suivante :
EN FAIT

Le requérant, M. Cesare Battisti, est un ressortissant italien, né en 1954, qui déclare résider à Paris. Il est représenté devant la Cour par Mes E. Turcon et E. Maisondieu-Camus, avocats à Paris.

Les faits de la cause, tels qu'ils ont été exposés par le requérant, peuvent se résumer comme suit.

En 1977, le requérant rejoignit les Prolétaires Armés pour le Communisme (PAC), groupe italien d'extrême gauche.

Il fut arrêté le 26 juin 1979. Des armes ayant été découvertes au cours d'une perquisition, une information judiciaire fut ouverte.

Au cours du procès qui suivit, le requérant fut exclu à titre définitif des débats par le ministère public pour trouble de la sérénité des débats. Par ailleurs, les deux avocats successivement désignés par le requérant furent incarcérés.

Condamné à deux peines d'emprisonnement (l'une de trois mois, l'autre de quatre ans), notamment pour vol qualifié, violation de domicile, cambriolage qualifié et séquestration de personnes, le requérant s'évada le 5 octobre 1981 de la prison de Frosinone. Il se réfugia au Mexique jusqu'en 1990. Pendant son exil au Mexique, M., l'un des anciens membres du PAC, dissous depuis 1979, décida de bénéficier de la législation italienne sur les « repentis » et de dénoncer les actions du PAC.

Sur la base des révélations de M., des poursuites pour la participation à quatre homicides commis avec des circonstances aggravantes furent engagées à l'encontre du requérant. Trois mandats d'arrêts furent décernés à son égard les 3 juin 1982, 17 mai 1983 et 13 octobre 1983.

Le requérant se rendit ensuite en France, où d'anciens membres de groupes d'extrême gauche italiens avaient été accueillis, et s'y installa.

Le requérant soutient que, dès lors qu'il était entré dans la clandestinité, ces mandats d'arrêt ne lui furent pas notifiés et il ne put organiser sa défense avec ses avocats.

Par arrêt du 13 décembre 1988, la cour d'assises de Milan condamna le requérant à la réclusion criminelle à perpétuité pour quatre homicides, selon la procédure de contumace (« contumacia »).

Le 16 février 1990, la cour d'assises d'appel de Milan confirma la première condamnation.
Par un arrêt rendu le 8 avril 1991, la Cour de cassation italienne rejeta le pourvoi formé par le requérant concernant trois des homicides litigieux, rendant ainsi définitive la condamnation du requérant de ces chefs. En revanche, elle cassa partiellement l'arrêt rendu par la cour d'assises d'appel en ce qu'il avait retenu la complicité du requérant pour le quatrième meurtre.

Par un arrêt rendu le 31 mars 1993, la cour d'assises d'appel de Milan, statuant sur renvoi après cassation partielle, confirma la complicité du requérant dans le dernier meurtre.

Le 8 janvier 1991, se fondant sur les mandats d'arrêt décernés en 1982 et 1983, les autorités italiennes présentèrent une demande d'extradition aux autorités françaises.

Par arrêt du 29 mai 1991, la chambre d'accusation de la cour d'appel de Paris rendit un avis défavorable sur cette demande, au motif que l'extradition ne pouvait plus être accordée sur le fondement desdits mandats d'arrêt, des condamnations ayant été prononcées depuis leur délivrance.

Marié à une ressortissante française, le requérant eut deux enfants, nés en 1984 et 1995. Le 11 avril 1997, il obtint un titre de séjour en France pour une durée de dix ans et engagea une procédure de naturalisation.

Le 3 janvier 2003, le gouvernement italien présenta une nouvelle demande d'extradition aux autorités françaises.

Le 10 février 2004, le requérant fut arrêté. Le procureur de la République de Paris le plaça sous écrou extraditionnel.

Par arrêt du 30 juin 2004, après que le requérant eut été remis en liberté, la chambre de l'instruction de la cour d'appel de Paris émit un avis, très circonstancié, favorable à son extradition. Le requérant se pourvut en cassation.

Par un arrêt du 13 octobre 2004, la Cour de cassation rejeta son pourvoi, s'exprimant notamment ainsi :

« Attendu que, le 8 janvier 1991, le Gouvernement italien a présenté une première demande d'extradition de Cesare Battisti pour l'exécution de trois mandats d'arrêt décernés les 3 juin 1982, 17 mai 1983 et 13 octobre 1983 par un juge d'instruction de Milan, notamment pour des homicides et une tentative d'homicide ; que les autorités italiennes ont, au surplus, mentionné que, pour les faits objet de la demande, Cesare Battisti avait été condamné par la cour d'assises de Milan le 13 décembre 1988 à la réclusion à perpétuité, décision confirmée par la cour d'assises d'appel de Milan le 16 février 1990, mais non définitive en raison du pourvoi formé par l'intéressé ;

Attendu que, pour s'opposer à son extradition, Cesare Battisti a soutenu que la condamnation à la réclusion à perpétuité prononcée le 16 février 1990 était devenue définitive à la suite du rejet de son pourvoi par la Cour suprême de cassation italienne le 8 avril 1991 et que, par voie de conséquence, les mandats d'arrêt pour l'exécution desquels la demande avait été présentée étaient devenus caducs ;

Attendu que, par arrêt du 29 mai 1991, la chambre d'accusation a émis un avis défavorable à l'extradition de Cesare Battisti, aux motifs que la condamnation à la réclusion à perpétuité était devenue définitive et que « l'extradition demandée en vue de permettre la poursuite d'infractions pénales ne peut être accordée lorsqu'une condamnation est intervenue à raison de ces infractions qu'au vu d'une nouvelle demande de l'Etat requérant » ;

Attendu que la Cour suprême de cassation italienne avait, en réalité, le 8 avril 1991, partiellement censuré l'arrêt de la cour d'assises d'appel de Milan du 16 février 1990 ; que, statuant dans les limites de la cassation ainsi prononcée, cette juridiction a, par arrêt du 31 mars 1993, confirmé l'arrêt rendu le 13 décembre 1988 ;

Attendu que le 3 janvier 2003, le Gouvernement italien a adressé aux autorités françaises une nouvelle demande d'extradition de Cesare Battisti sur le fondement des trois arrêts rendus respectivement les 13 décembre 1988, 16 février 1990 et 31 mars 1993 par les cours d'assises de Milan le condamnant à une peine de réclusion à perpétuité, notamment pour quatre homicides et une tentative d'homicide ;

Attendu que, pour rejeter l'exception de chose jugée, l'arrêt retient que la nouvelle demande d'extradition a été présentée non plus aux fins de poursuites mais pour l'exécution de condamnations ;

Attendu qu'en prononçant ainsi, la chambre de l'instruction a justifié sa décision ;

Qu'en effet, l'article 17 de la loi du 10 mars 1927 ne fait pas obstacle à une nouvelle saisine de la chambre de l'instruction pour les mêmes faits contre la même personne, lorsque le Gouvernement est lui-même saisi d'une nouvelle demande fondée sur des éléments qui, survenus ou révélés depuis la demande précédente, permettent une appréciation différente des conditions légales de l'extradition (...) »

Le 23 octobre 2004, un décret d'extradition fut pris. Le requérant saisit le Conseil d'Etat d'un recours en annulation de ce décret. Il invoqua notamment les articles 6 et 8 de la Convention, soutenant que les condamnations dont il avait fait l'objet en Italie n'avaient pas été prononcées dans le respect des exigences du procès équitable dès lors qu'elles avaient été infligées selon la procédure italienne de contumace, laquelle n'accorde pas à la personne condamnée en son absence le droit à être jugé à nouveau.

Par un arrêt rendu le 18 mars 2005, le Conseil d'Etat rejeta la requête, jugeant notamment ce qui suit :

« Considérant que la circonstance que certaines des charges retenues contre M. BATTISTI, et qui ont donné lieu aux condamnations précitées, reposent pour partie sur des déclarations de témoins « repentis », n'est pas contraire à l'ordre public français et ne constitue pas une méconnaissance, par les autorités italiennes, des stipulations de l'article 6 de la Convention (...) ;
Considérant que, si le requérant invoque les déclarations faites par le Président de la République, le 20 avril 1985, lors du congrès d'un mouvement de défense des droits de l'homme, au sujet du traitement par les autorités françaises des demandes d'extradition de ressortissants italiens ayant participé à des actions terroristes en Italie et installés depuis de nombreuses années en France, ces propos, qui doivent, au demeurant, être rapprochés de ceux tenus à plusieurs reprises par la même autorité sur le même sujet, qui réservaient le cas des personnes reconnues coupables dans leur pays, comme le requérant, de crimes de sang, sont, en eux-mêmes, dépourvus d'effet juridique ; qu'il en va également ainsi de la lettre du Premier ministre adressée, le 4 mars 1998, aux défenseurs de ces ressortissants ;

Considérant que, si le requérant fait valoir qu'il a obtenu divers titres de séjour, qu'il a engagé une procédure de naturalisation ayant donné lieu à un avis favorable de la part des autorités françaises et que son nom a été retiré par les autorités françaises de la partie nationale du Système d'information Schengen pendant une longue période, ces circonstances, qui ne sauraient, en tout état de cause, lui conférer un droit acquis à ne pas être extradé, sont sans influence sur la légalité du décret attaqué ;
(...)
Considérant qu'il résulte tant des principes de l'ordre public français que des conventions internationales signées par la France qu'en matière pénale, une personne condamnée par défaut doit pouvoir obtenir d'être rejugée en sa présence, sauf s'il est établi d'une manière non équivoque qu'elle a renoncé à son droit à comparaître et à se défendre ;

Considérant qu'il ressort des pièces du dossier que M. BATTISTI a été arrêté le 26 juin 1979 lors de l'enquête relative aux homicides mentionnés ci-dessus commis le 16 février 1979 ; qu'il s'est évadé, le 5 octobre 1981, de la prison de Frosinone, où il était incarcéré ; qu'il a fait l'objet d'un mandat d'arrêt décerné le 16 avril 1982 par le parquet d'Udine et d'un mandat d'arrêt délivré le 3 juin 1982 par un juge d'instruction de Milan ; que, par deux lettres manuscrites et signées, adressées respectivement au parquet du tribunal d'Udine et au parquet du tribunal de Milan, le 10 mai 1982 et le 12 juillet 1982, il a désigné deux avocats pour le représenter dans les instances judiciaires en cours ; que, par une autre lettre dactylographiée et signée, datée du mois de février 1990 et enregistrée au greffe de la cour d'assises d'appel de Milan le 19 février 1990, il a confirmé le choix de Me [P.] comme défenseur dans la procédure pendante, désignée dans la lettre par son numéro d'enregistrement, et lui a donné mandat pour exercer en son nom un pourvoi en cassation contre l'arrêt rendu par cette cour le 16 février 1990 ; qu'en outre, l'arrêt de la chambre d'accusation de la cour d'appel de Paris en date du 29 mai 1991 donnant un avis défavorable à une première demande d'extradition en vue de l'exercice de poursuites indique que le requérant était informé de l'issue de ce pourvoi ; qu'enfin, au cours des instances ayant abouti aux trois arrêts qui font l'objet de la demande d'extradition, les avocats désignés par M. BATTISTI ont été destinataires de tous les actes de procédure, ont assuré sa représentation et sa défense et ont utilisé toutes les voies de recours possibles jusqu'à former un pourvoi en cassation ;

Considérant qu'il résulte de ce qui précède que, d'une part, M. BATTISTI a bénéficié, à tous les stades d'une procédure longue et complexe, de la défense d'avocats choisis par lui ; que, d'autre part, il avait une connaissance directe, effective et précise des poursuites engagées contre lui, de leur déroulement et des dates de ses procès, ainsi que le révèlent, par leurs dates, leurs destinataires et leur contenu, les documents susmentionnés ; que, dès lors, M. BATTISTI, qui s'est évadé de prison et est longtemps resté introuvable, doit être regardé comme ayant manifesté, de manière non équivoque, sa volonté de renoncer à comparaître en personne devant ses juges et de se soustraire à la justice ; que, dans ces conditions, il n'est pas fondé à soutenir qu'en accordant son extradition aux autorités italiennes, alors qu'il n'aurait pas la garantie d'être jugé à nouveau en Italie, le décret attaqué aurait été pris dans des conditions contraires à l'ordre public français, aux stipulations de l'article 6, paragraphe 1, de la convention européenne de sauvegarde des droits de l'homme et des libertés fondamentales, aux réserves du gouvernement français relatives à l'article 1er de la convention européenne d'extradition ou aux stipulations de l'article 14 du Pacte international relatif aux droits civils et politiques ; (...) »
Le requérant est en fuite depuis août 2004.

GRIEF

Invoquant l'article 6 § 1 de la Convention et se référant à la jurisprudence de la Cour, le requérant se plaint de ce que son extradition vers l'Italie porterait atteinte à son droit à un procès équitable car, dans ce pays, il a été condamné à l'emprisonnement à perpétuité par contumace sans avoir été dûment informé des motifs de l'accusation portée contre lui ni avoir eu l'opportunité de présenter valablement sa défense, et alors qu'il ne pourra pas bénéficier d'un nouveau procès. Il ajoute que sa fuite ne saurait le priver du droit d'être rejugé en sa présence, droit auquel il n'a en rien renoncé.

EN DROIT

Le requérant se plaint de son extradition vers l'Italie. Il invoque l'article 6 § 1 de la Convention, dont les dispositions pertinentes se lisent ainsi :

« Toute personne a droit à ce que sa cause soit entendue équitablement (...) par un tribunal (...), qui décidera (...) des contestations sur ses droits et obligations de caractère civil (...) »

La Cour rappelle que ni la lettre ni l'esprit de l'article 6 de la Convention n'empêchent une personne de renoncer de son plein gré aux garanties d'un procès équitable de manière expresse ou tacite (Kwiatkowska c. Italie (déc.), no 52868/99, 30 novembre 2000 ; Sejdovic c. Italie [GC], no 56581/00, § 86, CEDH 2006-... ; Hermi c. Italie [GC], no 18114/02, § 73, CEDH 2006-...). Cependant, pour entrer en ligne de compte sous l'angle de la Convention, la renonciation au droit de prendre part à l'audience doit se trouver établie de manière non équivoque et s'entourer d'un minimum de garanties correspondant à sa gravité (Poitrimol, précité, pp. 13-14, § 31). De plus, elle ne doit se heurter à aucun intérêt public important (Sejdovic, précité, § 86, et Håkansson et Sturesson c. Suède, arrêt du 21 février 1990, série A no 171-A, p. 20, § 66).

La Cour a eu l'occasion de souligner qu'avant qu'un accusé puisse être considéré comme ayant implicitement renoncé, par son comportement, à un droit important sous l'angle de l'article 6, il doit être établi qu'il aurait pu raisonnablement prévoir les conséquences du comportement en question (Jones c. Royaume-Uni (déc.), no 30900/02, 9 septembre 2003).

Par ailleurs, il faut qu'il n'incombe pas à l'accusé de prouver qu'il n'entendait pas se dérober à la justice, ni que son absence s'expliquait par un cas de force majeure (Colozza, précité, p. 16, § 30). En même temps, il est loisible aux autorités nationales d'évaluer si les excuses fournies par l'accusé pour justifier son absence étaient valables ou si les éléments versés au dossier permettaient de conclure que son absence était indépendante de sa volonté (Medenica, précité, § 57 ; Sejdovic, précité, §§ 87-88 ; Hermi, précité, § 75).

En l'espèce, la Cour relève qu'alors qu'il était en fuite, le requérant a, par deux lettres manuscrites et signées, adressées respectivement aux parquets des tribunaux d'Udine et de Milan les 10 mai et 12 juillet 1982, désigné deux avocats pour le représenter dans les instances judiciaires en cours. La Cour note également que par une autre lettre, cette fois dactylographiée mais signée par lui, datée du mois de février 1990 et enregistrée au greffe de la cour d'assises d'appel de Milan le 19 février 1990, il a confirmé le choix de Me P. comme défenseur dans la procédure pendante. Dans cette lettre, le requérant désignait la procédure en cours devant les juridictions italiennes par son numéro d'enregistrement et donnait mandat à l'avocat désigné par lui pour exercer, en son nom, un pourvoi en cassation contre l'arrêt rendu par la cour d'assises d'appel de Milan le 16 février 1990. Il ressort du dossier, au vu des arguments présentés par le requérant devant les juridictions françaises, qu'il était également informé du rejet de son pourvoi par la cour suprême de cassation italienne le 8 avril 1991.

La Cour constate dès lors, au vu des circonstances de l'espèce, que le requérant était manifestement informé de l'accusation portée contre lui, ainsi que du déroulement de la procédure devant les juridictions italiennes et ce, nonobstant sa fuite. Par ailleurs, le requérant, qui avait délibérément choisi de rester en situation de fuite après son évasion de 1981, était effectivement assisté de plusieurs avocats spécialement désignés par lui durant la procédure. Sur ce dernier point, la Cour observe au demeurant qu'il n'a pas porté à l'attention des autorités concernées d'éventuelles difficultés qu'il aurait rencontrées dans la préparation de sa défense avec ses conseils désignés (Hermi, précité, §§ 96-97).

A la lumière de ce qui précède, la Cour estime qu'il était loisible aux autorités judicaires italiennes d'abord, puis aux autorités françaises, de conclure que le requérant avait renoncé d'une manière non équivoque à son droit de comparaître personnellement et d'être jugé en sa présence.

Elle relève enfin qu'il ressort expressément de l'arrêt rendu par le Conseil d'Etat le 18 mars 2005, arrêt particulièrement motivé, que les autorités françaises ont dûment tenu compte de toutes les circonstances de l'espèce et de la jurisprudence de la Cour pour faire droit à la demande d'extradition des autorités italiennes.

Il s'ensuit que la requête est manifestement mal fondée au sens de l'article 35 § 3 de la Convention et doit être rejetée en application de l'article 35 § 4.

Par ces motifs, la Cour, à l'unanimité,

Déclare la requête irrecevable.

S. Dollé
Greffière
A.B. BAKA
Président

sábado, 7 de fevereiro de 2009

FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL ECONÔMICO E A LEGISLAÇÃO PENAL TRIBUTÁRIA BRASILEIRA.

JOSÉ RENATO MARTINS
Doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo - USP. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP. Advogado e Ex-Delegado de Polícia de Carreira do Estado de São Paulo. Coordenador do Curso de Direito Campus Taquaral da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP. Professor de Teoria Geral do Estado, Direito Constitucional e Direito Penal na Faculdade de Direito na UNIMEP .

RESUMO

Este trabalho foi realizado com o objetivo de apresentar o surgimento, o desenvolvimento e os fundamentos do direito penal econômico no mundo jurídico, onde se procurou também registrar a evolução do direito penal tributário na legislação brasileira.

Nesse contexto, revelaram-se as condições nas quais surgiu e evoluiu o chamado direito penal econômico, considerado uma nova realidade jurídica e passível de uma sanção igualmente penal, destacando-se também os princípios que o regem e os seus principais aspectos.

Por fim, realizaram-se breves comentários sobre o direito penal tributário na legislação brasileira, desde os primeiros documentos onde foi possível constatar a presença de condutas dessa natureza também passíveis de uma sanção penal, bem como referências à reforma da Parte Especial do Código Penal brasileiro em vigor, no tocante à matéria objeto do presente trabalho.

Palavras-chave: DIREITO PENAL - DIREITO ECONÔMICO - DIREITO PENAL ECONÔMICO - ILÍCITOS FISCAIS - DELITO ECONÔMICO - CRIME DO COLARINHO BRANCO - PRINCÍPIOS - DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO.

1. INTRODUÇÃO

Nem sempre foi considerado justo, através dos tempos, e pelos membros de uma coletividade, o pagamento de tributos para sustentar o funcionamento do ente governante. Houve, inclusive, casos em que por estarem os povos sob o domínio de estrangeiros, se considerou que pagar tributos era contribuir para a persistência do referido domínio e, por conseqüência, uma traição à própria pátria. Isto talvez explique a pergunta que com malícia fazem os fariseus a Jesus, e que provocou a conhecida resposta de: "Por que me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda com que se paga o tributo", frase seguida da conclusão: "Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus "[1].

O tributo também foi resistido porque era considerado fruto da desigualdade, dos privilégios e da injustiça. As contribuições fiscais mal distribuídas precipitaram a revolução francesa, a burguesia que predominou após este acontecimento achou injustos os impostos, e esta posição inclusive foi compartilhada por economistas que como Juan Bautista Say comparavam o imposto com o granizo por seus efeitos destrutivos[2].

Posteriormente, e sem bem que certos acontecimentos como a Primeira Guerra Mundial modificaram o modo de pensar das coletividades, ficou arraigada na mente dos cidadãos, a impopularidade do imposto e seu desejo de iludi-lo de qualquer maneira, não sendo mal vistas as manobras efetuadas nesse sentido, nem os infratores que as efetuavam.

Mas modernamente, a doutrina tem reagido contra essa tendência. Considera-se, na atualidade, que o Estado por meio do Fisco requer imprescindível e impostergavelmente contar com os fundos provenientes do respectivo poder de imposição como base insubstituível para alcançar as altas e significativas funções públicas a seu cargo.

Destarte, as modernas concepções acerca do imposto, que de simples meio de obtenção de recursos passou a constituir um elemento essencial para a existência mesma do Estado e para a realização de seus fins, obrigam a examinar com especial determinação as violações às leis impositivas e os efeitos de estabelecer os meios tendentes a evitar as referidas violações.

Surge, então, a idéia da repressão tributária, mas isto traz o grande problema de situar essa infração no campo das ciências jurídicas.

Muitos autores têm se ocupado do tema e têm surgido diversas teorias a esse respeito. Porém, antes da análise dessa questão, importa deixar claro que qualquer incursão no Direito Penal Tributário é realmente difícil, porquanto se trata de uma ciência ainda em construção[3], sem grande pacificação de conceitos e de complexa determinação relacionada ao seu conteúdo, cujas condutas típicas são constantemente alteradas ou revogadas ao talante de circunstâncias políticas e econômicas momentâneas e não consolidadas.

Dentre os juristas que se ocuparam desse fatídico problema, alguns entendem que a infração fiscal é um simples capítulo do Direito Tributário destinado a estabelecer as conseqüências do inadimplemento às normas dessa natureza[4], ou que é parte integrante do Direito repressivo geral representado pelo Direito Penal[5], ou que seu estudo pertence ao campo de uma ciência jurídica autônoma, chamada Direito Penal Tributário[6], ou que sua localização científica depende do tipo de violação de que se trate[7], ou ainda que é parte de um Direito Penal distinto ao comum, denominado Direito Penal Administrativo[8].

Inobstante a existência dessa controvérsia, o fato é que os ilícitos fiscais criminalizados devem ser encarados como crimes, independentemente de sua origem remota estar no Direito Tributário. Entretanto, o que deve ficar claro é que, para qualquer hipótese, sempre haverá a necessidade do cotejo da legislação penal com a legislação tributária. Uma não pode ser encarada de forma isolada da outra, devendo, pois, uma complementar a outra.

2. DIGRESSÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL ECONÔMICO

Discutível é a questão relacionada ao momento do surgimento do denominado direito penal econômico, bem como a forma com que o mesmo se desenvolveu.

Francisco Munoz Conde[9] afirma que já no Direito Romano punia-se severamente a alta dos preços e o ilícito em matéria de importação e comércio de cereais, e iguais medidas punitivas se previam na Idade Média para quem infringisse normas sobre qualidade ou preço dos produtos nos mercados. Na Idade Moderna havia numerosas disposições legislativas que sancionavam penalmente as infrações em matéria de concessões e monopólios reais sobre determinados produtos. Somente no século XIX se observa uma certa diminuição dessa intervenção estatal na economia, sem dúvida por influência das doutrinas liberais econômicas dominantes à época. Prontamente, no século XX, voltou a surgir com maior força o intervencionismo penal estatal na economia, favorecido pela crise econômica que se sucede entre as duas guerras mundiais.

Na verdade, a história recente do Direito Penal Econômico, segundo a maioria dos autores[10], começa na Primeira Grande Guerra. Este acontecimento, pelos conflitos sociais que o acompanharam, pela necessidade de direção e mobilização da economia para os esforços da guerra, obrigou o Estado a assumir o papel de responsável maior pelo curso da vida econômica, dirigindo-o, conformando-o e defendendo-o. Isto obrigou ao esquecimento - que seria definitivo e irreversível - do modelo liberal de separação entre o direito e a economia, o Estado e a sociedade[11]. E criaram-se, por outro lado, os pressupostos do recurso ao Direito Penal (Econômico) como meio preferencial de defesa do modelo econômico desejado pelo Estado.

Assim, a Primeira Grande Guerra assume papel determinante, bem como as crises que se lhe seguiram, ao longo das quais o Direito Penal Econômico não deixou de engrossar. A evolução da Alemanha é a este propósito paradigmática[12].

Bem da verdade, oportuno ressaltar que as carências provocadas pela guerra culminaram (em 1914) na elaboração das leis que autorizaram o Parlamento a tomar as medidas consideradas necessárias no âmbito econômico e, em especial, no domínio dos preços.

Seguiu-se ainda, a proliferação quase incontrolada de normas administrativas de direção da vida econômica que recorriam às sanções penais como garantia de eficácia e de prevenção. Só em matéria de luta contra formas especulativas foram publicados milhares de disposições penais, cuja vigência prolongar-se-ia para além do fim da guerra na forma de leis reguladoras dos preços.

Todavia, foi no dobrar da década de vinte para a de trinta, que se ganhou consciência do Direito Penal Econômico como setor específico do ordenamento jurídico e se procurou definir o seu conteúdo e limites, a partir das mudanças de condições e horizontes político, econômico e social na República de Weimar, com o surgimento de leis visando a "socialização" de certas matérias primas e a proteção da posição da Alemanha no comércio internacional.

No que toca ao desenvolvimento do Direito Econômico, Novoa Monreal[13] sustenta que a Constituição espanhola de 1978 é uma das constituições mais progressistas e avançadas do mundo ocidental, que com ela a legislação espanhola permanece aberta a um vasto desenvolvimento do Direito Econômico, e admite que tenham cabimento os delitos econômicos como um dentre vários recursos jurídicos para preservar o sistema econômico implantado.

3. CONCEITO DE DIREITO PENAL ECONÔMICO

O Direito Econômico surgiu para designar uma nova realidade jurídica, não caracterizada pelo Direito tradicional. O fenômeno da intervenção estatal é a chave do Direito Econômico, que, mais do que um ramo novo do Direito reside em nova maneira de encarar, em função das necessidades da economia, os problemas do Direito.

Surge, então, o Direito Penal Econômico, como necessidade das sociedades industriais e conseqüência do intervencionismo estatal, para recobrir a ordem econômica com sua proteção. Na definição de Bajo Fernández, o Direito Penal Econômico constitui "o conjunto de normas jurídico-penais que protegem a ordem econômica"[14].

Para Klaus Tiedemann, o Direito Penal Econômico é o "ramo do Direito a que compete tutelar primordialmente o bem constituído pela ordem econômica estatal no seu conjunto e, em conseqüência, o curso normal da economia nacional"[15].

Nesse sentido, Tiedemann sustenta que, o que verdadeiramente define o Direito Penal Econômico é precisamente a autonomia dos bens jurídicos tutelados, caracterizados pela sua natureza supra-individual. Introduz o autor, assim, o dualismo entre os bens jurídicos, colocando, a par dos bens jurídicos individuais, os bens jurídicos supra-individuais, que em caso de conflito com os primeiros podem ter de gozar de supremacia[16].

4. TEORIA GERAL DO DELITO ECONÔMICO

O conteúdo do Direito Penal Econômico é uma variável dependente da concepção que se professe. Assim, o Direito Penal Econômico liberal, ao basear-se em uma intervenção pouco freqüente do Estado nas competências da vida dos negócios, tem um conteúdo relativamente reduzido, englobando, basicamente, as disposições penais em matéria de sociedades, bancos e bolsa de valores, campos nos quais se requer proteger aos poupadores, mal informados e armados para defenderem-se por sis sós.

Já o conteúdo do Direito Penal Econômico dirigista afeta bens, serviços e moeda. Ademais, das matérias já citadas na concepção liberal, compreendem, particularmente, as regras sobre a produção dos produtos alimentícios, sua circulação, armazenamento, racionamento de preços e o preço dos produtos e serviços. Pode-se incluir ainda, em parte, o Direito Penal fiscal e aduaneiro.

Todavia, as citadas disposições e infrações penais têm como denominador comum regular a completa tipologia criminal que adota o delito econômico, conteúdo específico do Direito Penal Econômico. Daí a conveniência dogmática de elaborar uma teoria geral do delito econômico e confrontar seus resultados com outra figura com a qual guarda notável parentesco criminológico: o delito do colarinho branco.

Pode-se, então, afirmar que a originária concepção do White-Collar crime tem uma projeção semântica muito ligada ao novo processo do Estado intervencionista norte-americano das décadas posteriores à crise de 1929-30, em tanto e quanto esta classe de delito constitui umaviolação às novas regras do jogo do Estado dos monopólios e das primeiras corporações multinacionais, embora sem identificar concretamente nestas o verdadeiro sujeito de interesse.

Desta forma, a teoria do White-Collar crime nasce com uma natureza claramente ideológica. Daí que, no enfoque da delinqüência econômica, seja conveniente separar-se de uma metodologia estritamente jurídica (que só levaria à comprovação de que os empresários violam as leis), como de uma ideologia da defesa social que, não obstante, valora os alcances tecnológicos de tais "inovadores". É preciso, pois, descartar definitivamente a concepção que aborda este problema da delinqüência econômica como desvios de um modelo ideal de capitalismo, como um sistema social no qual se contempla o bem-estar de todos. É necessário, na verdade, perguntarmos que função cumpre, que vínculo constitui esta forma de "acumulação contínua capitalista" e suas relações com a democracia e com a liberdade.

Importante, nesta oportunidade, relatar um pouco da origem do delito econômico na ordem jurídica mundial.

Desde 1872, no Congresso Internacional sobre a prevenção e repressão do crime, celebrado em Londres, E. C. Hill[17] reconhecia a grande importância do "crime no campo dos negócios" pela cooperação dos agentes imobiliários, agentes de vendas, manufatureiros... e outras pessoas "honestas". Em 1935, o professor Morris[18] retomou o problema, a fim de falar, segundo sua expressão, dos "crimes da alta sociedade". Identificar estes criminosos é difícil, pois as noções de ética em geral estão fortemente perturbadas pela universalidade das práticas desonestas, senão ilegais, do mundo dos negócios. Prova disso é que, na linguagem corrente, a expressão "tal pessoa é um bom negociante" é eticamente ambígua, compreensiva tanto de um negociante honesto, como de um negociante que subiu de posição econômica à mercê de suas habilidades comerciais de duvidosa licitude.

Entretanto, o começo da investigação científica sobre os "crimes da alta sociedade" teve lugar durante o período de 1940 a 1950, nos Estados Unidos, em torno das pessoas "White collar". A aparição deste novo estrato intermediário é uma característica geral da sociedade contemporânea em quase todos os países, porque está vinculada ao desenvolvimento do capitalismo. Dentro destas estão, em primeiro lugar, os grupos dos profissionais liberais, etambém os empresários, comerciantes ou industriais de tipo médio, e os elementos diretivos de uma burocracia, todavia, não muito desenvolvida. Por isto, dentro da geral denominação de "classe média", cabia distinguir uma classe média intelectual, industrial ou burocrática. Todos estes grupos participavam de um comum sentimento individualista que era, ao mesmo tempo, seu orgulho e sua garantia da liberdade. Seus sonhos estavam unidos, preferencialmente, ao êxito econômico, sem ter demasiado em conta os meios que se utilizam para alcançá-los, pois é o êxito econômico, e, portanto, a riqueza acumulada, o símbolo maior de uma elevada posição social.

Neste contexto, E. H. Sutherland[19], diante da Sociedade Americana de Sociologia, em 1939, empregou, então, a expressão "White collar crime", para designar a atividade ilegal de pessoas de nível sócio-econômico superior, em relação às práticas normais de seus negócios.

No que se refere ao conceito de delito econômico, o emprego do termo "White collar crime" se justifica desde o ponto de vista da investigação científica, mas não desde a perspectiva "social", na qual se mostra ambíguo, incerto e suscetível de controvérsia, e como não tem sido definido de forma oficial ou legal, certos autores não o aceitam além de sua relação com violações do Código Penal.

Com o fim de evitar esta ambigüidade, estudos recentes realizados por Quinney[20] estão orientados a fazer uma investigação dos "desvios profissionais", isto é, uma delinqüência ligada à profissão - "occupation crime" -, utilizando, pois, só uma parte da definição de Sutherland. Contudo, tais concepções mostram-se, do mesmo modo, demasiado estreitas, até porque há crimes a sistematizar entre os econômicos que não estão ligados a uma ocupação profissional, como é, por exemplo, o caso do uso indevido de cheques.

Uma orientação mais objetiva procura, por seu turno, segundo determinada doutrina alemã, encontrar o critério da caracterização dos delitos econômicos nos quadros da ilicitude material. Assim, Tiedemann[21], caracteriza o delito econômico por violar, para além de bens jurídicos individuais, interesses gerais ou sociais, no sentido de bens jurídicos supra-individuais.

Deste ponto de vista, v. g., a usura pode ser individual - na medida em que viola ou põe em perigo o patrimônio de outrem, pelo aproveitamento de uma especial situação de necessidade da vítima - ou social, quando, para além do dano individual, agride interesses gerais, sociais ou supra-individuais (v. g., a estabilidade de preços, a concorrência etc.).

No entanto, a distinção pode, referir-se antes ao substrato dos bens jurídico-criminais[22]. E, neste sentido, deve claramente distinguir-se, v g., a vida, a saúde ou a propriedade individual, dos interesses de ordem e tranqüilidade pública, enquanto salvaguarda de valores gerais ou supra-individuais. Sabe-se, porém, que o bem jurídico assim entendido é muito vago e abstrato. Disso, aliás, tem consciência Tiedemann, quando procura especializar o bem jurídico, violado pelos delitos econômicos, como coincidindo com interesses da vida econômica[23].

Com todo este afinamento do conceito de bem jurídico-econômico (supra-individual), não consegui, porém, Tiedemann, esclarecer o problema. E de tal maneira que, para além do que fica dito, recorre ao grau de dano causado, ao tipo de agente, ao modus operandi, à freqüência da verificação da violação, entre outros, como elementos caracterizantes de comportamentos antieconômicos[24].

5. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL ECONÔMICO

Em se tratando dos princípios aplicáveis ao Direito Penal Econômico, há que se fazer referência à 6a Recomendação do XIII Congresso Internacional da Associação Internacional de Direito Penal sobre "O conceito e os princípios fundamentais do Direito Penal Econômico e da Empresa", realizada na cidade do Cairo, em 1984, que dispõe o seguinte: "Não obstante as peculiaridades do Direito Penal Econômico e da Empresa, deveriam aplicar-se os princípios gerais do Direito Penal, especialmente aqueles que protegem os direitos humanos".

Com efeito, a natureza comum da infração econômica obriga a ajustá-la aos princípios básicos do Direito Penal, tais como: o princípio da legalidade da infração econômica, o princípio da segurança jurídica, o da proporcionalidade, o da antijuridicidade e o da culpabilidade. Nesse sentido, a 11a Recomendação do citado XIII Congresso proclamou que:
O princípio penal fundamental da culpabilidade deve ser respeitado no Direito Penal Econômico e da Empresa. Quando existam tipos delitivos que não pressuponham uma imputação subjetiva (dolo ou culpa) ou não exijam a prova da mesma ('strict liability offences'), deverá admitir-se como eximente a circunstância de não haver podido atuar de outro modo. Os trabalhos de reforma devem orientar-se em direção da mais pronta abolição de tais delitos de responsabilidade objetiva.

Contudo, a vinculação do Direito Penal Econômico aos princípios gerais do Direito Penal é compatível com uma série de postulados básicos que configuram a infração econômica propriamente dita. Importante, pois, registrar quais são esses princípios, a saber:

1°. O princípio da intervenção penal econômica mínima.

2°. O princípio de fixação da norma penal econômica no Código Penal.

3°. O princípio da configuração do tipo penal em virtude do bem jurídico protegido.

4°. O princípio da inclusão de elementos normativos e cláusulas gerais na norma penal econômica.

5°. O princípio da simplificação da prova, e

6°. O princípio de previsão de fraudes à norma penal econômica.

Antes, porém, de analisar esses princípios, vale trazer à baila que o processo de reforma do Direito Penal Econômico e da Empresa surgiu, oficiosamente, na República Federal da Alemanha, com um movimento a favor da criminalização no âmbito econômico, e como lembra Tiedemann[25], oficiosamente, teve início em 1972, durante o 49° Congresso de Juristas Alemães, e oficialmente, com a criação de uma Comissão de Especialistas para a Luta contra a Delinqüência Econômica e, conseqüentemente, para a Reforma do Direito Penal Econômico.

Passa-se, agora, a comentar os princípios já referidos.

1) Princípio da intervenção penal econômica mínima. Contra a necessidade jurídica e social de reformar o Direito Penal substantivo em matéria econômica, certos autores sustentamque a criminalização de determinadas condutas econômicas se opõem à tendência contemporânea em direção a uma ampla descriminalização.

Em contrapartida, o regulamento jurídico e o desenvolvimento da vida econômica originaram uma multiplicação e congestão dos interesses econômicos e de seus titulares, cuja cobertura e valorização é impossível com as figuras delitivas patrimoniais (a fraude, a malversação, a usura, a falência etc.).

De outra borda, o movimento legislativo freqüentemente implica a proteção de novos bens jurídicos; assim, Tiedemann[26] anota que a "primeira lei contra a delinqüência econômica", que entrou em vigor no dia 1° de setembro de 1976, além de modificações ao Código Civil e ao Direito Comercial e à falência, introduziu normas penais especiais contra a obtenção fraudulenta de subvenções e créditos, e criou adicionalmente uma legislação administrativa contra a obtenção abusiva de subvenções.

Bem verdade, ao estabelecer um tipo penal específico sobre a fraude em matéria de subvenções, levou-se em conta o fato de que praticamente todos os países desenvolvidos utilizam atualmente medidas financeiras, de diversos nomes e definições, para o desenvolvimento de objetivos econômicos, culturais e sociais, orientadas todas elas a corrigir as desigualdades naturais ou fáticas da vida econômica e social.

No entanto, em qualquer caso, nas subvenções falta o meio de controle natural de toda atividade econômica, isto é, não existe a obrigação de dar uma contraprestação. Por conseguinte, a subvenção representa um notável fator criminógeno, já que tanto na Comunidade Econômica Européia, como nos países sul-americanos e entre os exportadores de cereais da América do Norte, tem desempenhado um importante papel os especulares casos de obtenção fraudulenta de subvenções, sobretudo para exportações fictícias a outros países[27].

O princípio da intervenção mínima é uma conseqüência do Estado social e democrático de Direito, conforme o qual o Direito Penal deve surgir como a ultima ratio, deve encontrar-se sempre em último lugar e entrar em jogo somente quando resulta indispensável para a manutenção da ordem jurídica e da paz dos cidadãos. Pela dureza de suas sanções, que afetam osbens mais preciosos da pessoa e são as mais drásticas com que conto o ordenamento jurídico, o Direito Penal deve intervir somente quando resultem insuficientes outros remédios menos gravosos.

Nesse contexto, Munoz Conde[28] revela que, se em virtude do princípio da intervenção mínima parece legítima a tutela penal seletiva de certos bens jurídicos fundamentais para a sociedade, é lógico que também se protejam penalmente, com a maior claridade e contundência, os interesses econômicos da coletividade, e não os de um grupo privilegiado de pessoas. Logo, é óbvio que um destes bens jurídicos fundamentais o constitui a "ordem sócio-econômica" e, por isso, não se infringe o princípio da intervenção mínima ao querer tutelá-lo penalmente. O que talvez não tem sido tão acertado seja a forma com que se tem descrito em alguns tipos penais previstos no Título VIII do Projeto de Lei Orgânica do Código Penal espanhol de 1980 os ataques à ordem sócio-econômica.

2) Princípio de fixação da norma penal econômica no Código Penal. O Direito PenalEconômico deve regular-se, segundo Tiedemann[29], na medida do possível, dentro do CódigoPenal e não como Direito Penal Especial, fora daquele. Nessa legislação penal especial somentedevem incluir-se as infrações penais e os delitos a respeito dos quais a técnica legislativapressupõe uma conexão particularmente estreita e inseparável com a normativa do DireitoEconômico.

Pretende-se com isto que a opinião pública tome consciência das graves conseqüências que têm estas infrações para a sociedade; é necessário, portanto, um estudo em profundidade do Direito Penal Econômico, tanto a nível teórico (nas Faculdades de Direito) como na prática forense penal e na bibliografia jurídico-econômica. O conhecimento teórico das normas penais econômicas e dos dados que ministrem sua aplicação pelos Tribunais contribuirá, sem dúvida, para incrementar a efetividade daqueles preceitos penais.

3) Princípio da configuração do tipo penal em virtude do bem jurídico protegido. Supõe-se, aqui, a utilização de tipos delitivos de perigo abstrato, como instrumentos jurídicos-penais deluta contra a delinqüência sócio-econômica.

O emprego dos tipos penais desta natureza constitui uma importante restrição do direito à liberdade de empresa no marco da economia de mercado. Todavia, a utilização dos tipos penais de perigo abstrato não é nova, pois as leis penais especiais regulam delitos desta índole. Assim mesmo, esquece-se que para os fatos puníveis assim descritos nas normas penais especiais basta a comissão culposa, isto é, o Direito Penal Especial em matéria econômica castiga freqüentemente, inclusive, a imprudência leve, com base que nestes casos se trataria de imprudência profissional.

Não obstante isso, Tiedemann lembra que a amplitude do conceito de "empresa", utilizado, sobretudo, na legislação alemã sobre a competência, impede sustentar, rigorosamente, que, no Direito Penal Especial se trate sempre de uma culpa especificamente profissional[30].

Em relação à questão de identificar se a incriminação fundamentada no perigo abstrato é ou não contrária aos princípios da "intervenção mínima" e "proporcionalidade", cabe assinalar, com base na lição de Tiedemann[31], que a proibição de executar determinadas ações repousa no fato de que o Direito Penal, uma vez iniciado o seu curso causal, não pode evitar que se produza o resultado danoso.

Por outro lado, pode-se impedir também que se cometam ações perigosas com base na idéia da "ingerência" da norma, conforme a qual aquele que cria uma situação perigosa está obrigado a responder pelas conseqüências danosas que aquela origina. Isto ocorre com a classe de ação, denominada tecnicamente comissão por omissão.

Ademais, a proibição jurídico-penal supõe uma ingerência menos gravosa que a normativa jurídico-administrativa, a qual sujeita a atividade global do empresário à fiscalização estatal, enquanto que a proibição jurídico-penal, pelo contrário, somente compreende o setor socialmente indesejável daquela atividade[32]. Nesse sentido, deve-se frisar que o já referido XIII Congresso Internacional da Associação Internacional de Direito Penal declarou, na sua 9a Recomendação, o seguinte:
O emprego de tipos delitivos de perigo abstrato é um meio válido para a luta contra a delinqüência econômica e da empresa, sempre e quando a conduta proibida pelo legislador venha especificada com precisão e conquanto que a proibição se refira diretamente a bens jurídicos claramente determinados. A criação de delitos de perigo abstrato não está justificada quando obedeça exclusivamente ao propósito de facilitar a prova dos delitos.

4) Princípio da inclusão de elementos normativos e cláusulas gerais na norma penaleconômica. A teor dos complexos fenômenos e regulamentos da vida econômica presente, éimpossível prescindir de elementos normativos e cláusulas gerais na hora de descrever os tipospenais econômicos. Com efeito, junto com as exatas descrições dos tipos, é necessário admitir,porém cuidadosamente, os conceitos jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais, com base,dominante na doutrina e na jurisprudência, de que os elementos normativos e as cláusulas geraisdo Direito Penal unicamente podem fundamentar uma declaração de responsabilidade criminal,caso - e somente caso - se trate de valores reconhecidos e seguros[33], isto é, trate-se do núcleopropriamente dito desses conceitos jurídicos indeterminados.

Já a inclusão de elementos normativos e cláusulas gerais na norma penal econômica é uma conseqüência direta, de um lado, do princípio da unidade do ordenamento jurídico e, de outro, da extrema complexidade do tráfico jurídico-mercantil na vida econômica contemporânea.

Finalmente, também se admite a utilização de cláusulas gerais extrapenais. Assim, por exemplo, no Direito Penal alemão, a "Primeira lei contra a delinqüência econômica" contém, em matéria de subvenções, uma cláusula de abuso para que, por meio do Direito Administrativo, possam perseguir-se as transações fictícias ou que impliquem fraude à lei, típicas da criminalidade econômica em geral e muito freqüentes no âmbito da Comunidade Econômica Européia, na forma de exportações fictícias, tráfico aparente de produtos e transações em círculo[34]. Se o abuso é notório, também consta como tal para sua valoração jurídico-penal.

5) Princípio da simplificação da prova. Requer-se que os novos tipos do Direito PenalEconômico configurem a prova de maneira singela, para efeitos de sua aplicação pelos Tribunais,sem renunciar, no entanto, às garantias jurídico-penais do Estado de Direito, quais sejam: "odireito à presunção de inocência, a não inversão do ônus da prova ao acusado e o princípio daculpabilidade".

Como se sabe, os citados delitos de perigo abstrato, nos quais não é relevante que o dano se produza efetivamente, oferecem possibilidades para facilitar as tarefas probatórias. Entretanto, a incorporação destes tipos penais supõe uma notável ampliação dos limites da imputabilidade, unicamente admissível nos casos em que o simples perigo abstrato em si é suscetível de punição.

Com base nisso, tem-se criticado no Direito Penal alemão a limitação dos novos tipos de delito de obtenção fraudulenta de subvenções e créditos por meros atos enganosos. Na verdade, tal procedimento se esquece que, segundo Tiedemann[35], o perigo parece abstrato unicamente referido a interesses patrimoniais individuais, enquanto que, se forem levados em consideração os aspectos supra-individuais (sociais) do bem jurídico, com freqüência não resultará imaginável outra configuração típica que não seja a do "perigo abstrato", orientada pelo Direito Comercial. Conseqüentemente, o uso dos delitos de perigo abstrato para descrever os fatos econômicos puníveis, se justifica não somente por razões probatórias, senão, fundamentalmente, pela necessidade político-criminal de se proteger interesses jurídicos supra-individuais, para cuja efetiva tutela não existe outra configuração típica mais adequada.

Outra técnica dirigida à simplificação da prova consiste em excluir os elementos subjetivos do tipo penal econômico. Assim, por exemplo[36], se o tipo "monopolizar" já pressupõe que haja necessidade de se demonstrar que o autor pretendia lograr a alta dos preços ou provocar a escassez de um bem, as experiências do Direito comparado italiano e francês revelam, com semelhantes preceitos no âmbito da regulamentação de preços e monopólios, que a incorporação de tais requisitos subjetivos no tipo conduz à impossibilidade de aplicar a norma. Igualmente, o elemento subjetivo do injusto, "ânimo de lucro", facilita a defesa do réu e dificulta a aplicação do preceito, como assinala a experiência alemã com um tipo concebido desta forma: "espionagem industrial".

Importa frisar, contudo, que a dificuldade da prova, em si mesma, não justifica em absoluto a inclusão da punição a título culposo, em virtude do "princípio da incriminação excepcional da comissão culposa no âmbito dos delitos econômicos, somente em casos de especial gravidade".

6) Princípio de previsão de fraudes à norma penal econômica. A possibilidade de fraude à norma penal econômica constitui um dos princípios básicos do Direito Penal Econômico. Nesse sentido, é fundamental não deixar lacunas na legislação econômica extrapenal e, mediante uma regulamentação expressa, excluir as possibilidades de fraudar a lei. Em qualquer caso, pretende-se tutelar a segurança jurídica, pois o artigo 54 do Projeto de Código Penal tipo para a Ibero-américa reconhece que os artigos ou produtos só serão reputados "de primeira necessidade" quando a lei, os regulamentos ou a autoridade competente os declararem como tais. Assim mesmo, os artigos 58, 59 e 60 do citado Projeto vinculam expressamente a exploração ilegal das riquezas da natureza (piscícola, florestal e mineral) às prescrições legais extrapenais.

As lacunas nesta regulamentação extrapenal conduzem à impunidade, com a ressalva de que estando permitido preencher as lacunas legais extrapenais mediante a analogia, dita regulamentação jurídico-econômica completada por meio da interpretação serviria de fundamento para o juiz sobre a imputabilidade da conduta em questão. Este procedimento é criticável, já que, para efeitos de segurança jurídica, permite que a analogia em prejuízo do réu seja aplicada, diretamente, ao preceito penal como, indiretamente, à norma extrapenal.

6. DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O Livro V das Ordenações Filipinas, legislação esta que não contemplava o princípio da reserva legal, tratava de forma conturbada as condutas que podem ser consideradas análogas ao atual crime de contrabando ou descaminho, os primeiros delitos tributários a serem lembrados, conforme o artigo 334, do Código Penal. A pena para a infração era o perdimento dos bens, a metade para quem o denunciasse e a outra metade para o Reino, além do degredo[37]. A licença do Rei custava o pagamento de duas dízimas, o denominado "quinto"[38].

O Marquês de Pombal, Primeiro Ministro de D. José I, na década de 1760, reformulou a legislação e introduziu a modalidade de tributo denominada "avenca", que consistia no pagamento, ao Reino, de uma parcela da produção industrial e agrícola[39].

Na verdade, o Sistema Tributário à época não reclamava, devido à sua simplicidade, disciplina legislativa criminal, porque, inexistindo o princípio da reserva legal, acabava por prevalecer a vontade do Rei. A primeira alteração considerável só veio com o Código Criminal do Império que, no artigo 1°, consagrava o princípio da legalidade em matéria penal, que obrigou à perfeita descrição das condutas criminosas, inclusive as consideradas lesivas ao "Thesouro".

Por seu turno, o primeiro Código Penal da República (1980), no seu Título VII ("Dos Crimes Contra a Fazenda Pública"), cujo único capítulo continha somente o artigo 265, qualificava apenas o crime de contrabando.

A Consolidação das Leis Penais, presente no Decreto n° 22.213/32, tratou igualmente dos "Crimes Contra a Fazenda Pública", definindo também apenas o crime de contrabando, em seu artigo 265, contudo, agregando outras condutas ao tipo, como importar e fabricar rótulos de bebidas e quaisquer outros produtos nacionais como se fossem estrangeiros, disciplinando a navegação de cabotagem dos navios estrangeiros etc.

A inclusão das "novas" condutas, na realidade, foi mera incorporação de tipos penais previstos em leis esparsas, como o artigo 4° da Lei n° 123/1892, do artigo 1° do Decreto n° 1.425-B/1905 e do artigo 56 da Lei n° 4.440/1921.

Já o Código Penal de 1940 tratou do "contrabando ou descaminho" no artigo 334, inserindo-o no capítulo dos "Crimes Praticados por Particular Contra a Administração em Geral", enxugando o tipo penal para criminalizar as condutas de exportar ou importar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela sua entrada, saída ou consumo. Manteve a penalização da navegação de cabotagem fora dos casos permitidos em lei e do fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho.

Devido à crescente complexidade da legislação e de dispositivos penais-tributários distribuídos em leis esparsas (como, por exemplo, no artigo 11 da Lei n° 4.357/64, que equiparou ao crime de apropriação indébita o não recolhimento de valores relativos ao Imposto sobre a Renda, descontados pelas fontes pagadoras, ao Imposto de Consumo, indevidamente creditados na escrituração fiscal, e ao Imposto do Selo, recebidos de terceiros) e diante da progressiva complexidade das próprias relações e obrigações tributárias, fez-se necessário reunir os tipos penais-tributários e a tipificação de outras condutas.

A Lei n° 4.729/64 conferiu cidadania e positividade ao nosso Direito Penal Tributário, tipificando, em seu artigo 1°, as diversas condutas consideradas crimes de sonegação fiscal e, em seu artigo 7°, que a autoridade administrativa remeteria imediatamente os elementoscomprobatórios da infração penal-fiscal ao Ministério Público, e este, entendendo-os suficientes, ofereceria desde logo a denúncia.

É de se notar, segundo a doutrina, que a Lei n° 4.729/65, ao tipificar os delitos de sonegação fiscal, conferiu-lhes natureza de crimes formais, definindo a conduta e a intenção do agente como crime consumado, relegando a mero exaurimento a obtenção da vantagem pretendida. Nesse sentido, Porocópio de Alvarenga, cujo crime se consuma com a sonegação fiscal, prescindindo de real sonegação tributária[40], e Ângelo Rafael Rossi, para quem o crime de sonegação fiscal se perfaz ainda que a finalidade do agente não seja atingida, bastando a alteração definitiva do documento fiscal[41].

7. PANORAMA ATUAL DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO NO BRASIL E A REFORMA DA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL

Existe, de fato, no ordenamento jurídico brasileiro, uma Ordem Tributária, isto é, um conjunto de princípios e normas voltados a disciplinar a atividade tributária exercida pelo Poder Público, estabelecendo parâmetros e determinando limites, ao mesmo tempo em que resguarda o Erário de ataques criminosos dirigidos a dilapidar o Tesouro. Em suma, pode-se dizer que a matéria situa-se no plano constitucional no Título VI, que trata "Da Tributação e Do Orçamento", ao passo que no âmbito infraconstitucional prepondera, na seara criminal, a Lei n° 8.137/90. Este dispositivo ocupa-se dos "Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo". Há, porém, outros diplomas legais presentes no plano do ordenamento jurídico que têm incidência direta em relação à matéria sob enfoque.

Já o Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal[42], prevê a inserção, no Título XIII, denominado "Dos Crimes Contra o Sistema Tributário e Aduaneiro", de tipos penais próprios, conferindo-se à matéria um tratamento técnico mais aperfeiçoado. O referido título se desdobra em dois capítulos, a saber:

1°) "Dos Crimes Contra a Ordem Tributária" - compreende as várias espécies da conduta (fraude fiscal e descaminho);

2°) "Dos Crimes Aduaneiros" - tem por objeto delitos distintos (contrabando e crimes assemelhados).

Destarte, constata-se que, no Brasil, a criminalidade econômica vem sendo cuidada em legislação esparsa, mal feita e que não logrou, até o momento, melhor resultado. Existe, no projeto da Parte Especial do Código Penal, a inserção dessa legislação contra a criminalidade econômica. Porém, diante da Constituição Federal de 1988, a Parte Especial necessita de uma completa revisão e de uma discussão minuciosa entre os estudiosos do Direito Penal e a comunidade em geral, sem se desprezar a experiência de outros países, a ser extraída pelo estudo do Direito Comparado. A se confirmar com a legislação existente, nosso Direito Penal deslegitima-se diante do texto constitucional. Mister se faz urgente revisão de todos os tipos que exigem, aliás, para a sua construção, técnicas especiais.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Evangelho de São Mateus, cap. 22, vers. 17 a 21.
[2] TAMAGNO, Roberto. Delito fiscal. In: Enciclopédia Jurídica Omeba, t. VI, 1954, p. 290.
[3] Carlos Martínez Buján-Perez relata que até o ano de 1978 não existia na literatura criminológica alemã qualquer investigação empírica especificamente destinada ao tema da criminalidade fiscal, sendo, ainda hoje, raros os trabalhos que se ocupam de forma tangencial desta problemática. Salienta ainda o autor que, na Espanha, também são praticamente inexistentes os estudos criminológicos desse setor de delinqüência e são muito poucos os trabalhos teóricos que abordam a problemática da delinqüência econômica em geral. BUJÁN-PEREZ, Carlos Martínez. El delito fiscal. Madri: Editorial Montecorvo, 1982, p. 20-21.
[4] FONROUGE, Carlos Giuliani. Derecho financiero, v. II - "Anteprojecto de Código Fiscal". Depalma: Buenos Aires, 1990, p. 562.
[5] AFTALIÓN, Enrique R. El derecho penal económico. In: Revista Jurídica Argentina La Ley, v. 107, p. 1.198 e s.
[6] DE MATTEIS, Francesco. Manuale di diritto penale tributario. Torino: Utet, 1963, p. 21.
[7] JARACH, Dino. Las multas fiscales y la teoría del derecho penal administrativo. In: Revista Jurídica de Córdoba, primer trimestre 1947, p. 146.
[8] SCHÕNKE, Adolf. La doctrina del derecho penal administrativo de James Goldschmidt y su reconocimiento en la legislación alemana. In: Revista de Derecho Procesal, Barcelona, ano 1951, vol. II, p. 296.
[9] CONDE, Francisco Munoz. La ideología de los delitos contra el orden socio-económico en el Proyecto de Ley Orgânica de Código Penal. In: Cuadernos de Política Criminal. Madrid, 1982, p. 114 e s.
[10] Outros, porém, privilegiam o papel da crise de 1929: H. H. Jeschek. Das deutsche Wirtschaftsstrafrecht, Duncker & Humblot, 1959, p. 457 e s., J. Constant, Lês systèmes de répression em matiére d'infraction économiques, in Annales de la Faculte de Droit de Liège, v. 4, n. 2, 1959, p. 285 e s.
[11] Mais desenvolvidamente, ver.: MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do capitalismo. Coimbra: Centelho, 1973, p. 35 e s.
[12] Merecem igualmente uma referência, nesta sede, os casos da Holanda e da França. A evolução do direito penal econômico holandês começou a desenhar-se a partir da crise de 1929-30, com a necessidade de proteção penal de uma política de superação da crise em matéria de agricultura, pecuária e floricultura. Uma característica peculiar do direito penal econômico da Holanda desta altura é a intervenção de associações de produtores com poder regulamentar e sancionatório. O direito penal econômico francês, por sua vez, mergulha as suas raízes no Código Penal de 1810, que punia a especulação sobre mercadorias e títulos. A 1a Grande Guerra determinou a intensificação da intervenção, bem como a crise de 1929-30 e a 2a Grande Guerra. Já a característica que permanece no direito econômico francês é o papel privilegiado concedido à Administração na aplicação das sanções e até na imposição da transaction, papel que tem sido objeto de merecidas críticas. Cf. K. Tiedemann e A. W. Schüler, Das franzõsisische Wirtschaftsstrafrecht nach der Ordonnance, n. 45-1484, Dissert. Policop., Kõln, 1965, p. 323 e s.; R. Vouin, Le Droit Pénal Économique de la France, in RintDP, 1953, p. 423 e s.
[13] MONREAL, Eduardo Novoa. Reflexões para a determinação e delimitação do delito econômico. In: Revista de Direito Penal e Criminología, n. 33, 1982, p. 90 e s.
[14] FERNÁNDEZ, Miguel Bajo. Derecho penal económico aplicado a la actividad empresarial. Madrid: Editorial Civitas, 1978, p. 36.
[15] TIEDEMANN, Klaus. La criminalite d'affaires dans l'economie moderne. Revue Internationale de Criminologie et de Police Technique, 1975, p. 147 e s.
[16] TIEDEMANN, Klaus, ibid.
[17] HILL, E. C., citado por NORMANDEU, André, em Les "déviations en affaire" et les "crimes em col blanc". In: Déviance et criminalité. Paris: Armand Colin, 1970, p. 332.
[18] MORRIS, Albert. Criminology. New York: Longmans, 1935, p. 153-158.
[19] SUTHERLAND, Edwin. H. White collar criminality. American Sociological Review, New York: N. Y. Dryden Press, 4, 1940, p. 1-12.
[20] QUINNEY, E. Richard. The study of white collar crime: toward a reorientation in theory and pratice. J. Crim. Law, C. and P. S. New York: N. Y. Dryden Press, 55, 1964, p. 208-214.
[21] TIEDEMANN, Klaus. La criminalidad económica como objeto de investigación. Barcelona: Ariel, 1983, p. 172.
[22] CORREIA, Eduardo. Unidade e pluralidade de infrações. Coimbra: Faculdade de Direito de Coimbra, 1945, p. 107, nota 1.
[23] TIEDEMANN, Klaus, La criminalidad econômica como objeto de investigación. Barcelona: Ariel, 1983, p. 50 e s.
[24] TIEDEMANN, Klaus, ob. cit., p. 51.
[25] TIEDEMANN, Klaus. Poder econômico y delito (Introducción al Derecho Penal Económico y de la Empresa). Barcelona: Ariel, 1985, p. 26.
[26] TIEDEMANN, Klaus. Poder económico y delito (Introducción al Derecho Penal Económico y de la Empresa). Barcelona: Ariel, 1985, p. 28 e 29.
[27] TIEDEMANN, Klaus., ob. cit., p. 29 e s.
[28] CONDE, Francisco Munoz. La ideología de los delitos contra el orden socio-económico en el Proyecto de Ley Orgánica de Código Penal. In: Cuadernos de Política Criminal. Madrid, 1982, p. 112.
[29] TIEDEMANN, Klaus. Poder econômico y delito (Introducción al Derecho Penal Económico y de la Empresa). Barcelona: Ariel, 1985, p. 32.
[30] TIEDEMANN, Klaus Poder económico y delito (Introducción al Derecho Penal Económico y de la Empresa). Barcelona: Ariel, 1985, p. 33.
[31] TIEDEMANN, Klaus, ob. cit., p. 33-34.
[32] TIEDEMANN, Klaus, ob. cit., p. 34.
[33] TIEDEMANN, Klaus. Poder económico y delito (Introducción al Derecho Penal Económico y de la Empresa). Barcelona: Ariel, 1985, p. 34.
[34] TIEDEMANN, Klaus, ob. cit., p. 35-36.
[35] TIEDEMANN, Klaus. Delitos contra el orden económico. In: La reforma penal. Cuatro cuestiones fundamentales. Madrid: Universidad de Madrid, 1982, p. 173.
[36] O citado exemplo é fornecido por Klaus Tiedemann. In: TIEDEMANN, Klaus. Poder económico y delito (Introducción al Derecho Penal Económico y de la Empresa). Barcelona: Ariel, 1985, p. 36-37.
[37] O degredo consistia no exílio do réu. A hipótese mais utilizada e considerada como mais grave era o envio do sujeito (de Portugal) para o Brasil, definitivamente.
[38] CASSONE, Vittorio. Direito tributário. 10a São Paulo: Atlas, 1997, p. 15 e s.
[39] PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 172.
[40] ALVARENGA, Dílio Procópio de. Sonegação fiscal. Revista Jurídica da Procuradoria Geral da Fazenda Estadual de Minas Gerais, n. 1, Belo Horizonte, 1996, p. 31.
[41] ROSSI, Ângelo Rafael. Crime de sonegação fiscal. São Paulo: Editora Jurídica e Universitária Ltda., 1967, p. 36.
[42] Brasil. Leis etc. Código Penal. Direito Penal - Legislação - Brasil. Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal. São Paulo: Procuradoria Geral de Justiça e Associação Paulista do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1999.