A doutrina pátria, de forma pacífica, entende ser plenamente possível a prática do delito previsto no artigo 171, caput, do Estatuto Repressivo mediante o engodo do silêncio.
Hungria (Comentário ao Código Penal, Forense, 4ª ed., 1980, p. 202) registra que 'comumente a fraude, para assegurar o próprio êxito, procura cercar-se de uma certa encenação material (artifício) ou recorre a expedientes mais ou menos insidiosos ou astutos (ardis) para provocar ou manter (entreter, fazer persistir, reforçar) o erro da vítima. Às vezes, porém, prescinde de qualquer mise en scéne ou estratagema, alcançando sucesso com a simples mentira verbal e até mesmo com a simples omissão do dever de falar. Não se pode, pois, negar ao nudum mendatium, ao silêncio doloso, à reticência maliciosa, ao engano por sugestão implícita, o caráter de meio fraudulento. Explica-se, assim, que o texto legal, depois de referir-se, exemplificadamente, a 'artifícios' e 'ardis', remate com uma expressão genérica: 'ou qualquer outro meio fraudulento'. Esclarece, ainda, que 'entende-se por 'erro' a falsa ou nenhuma representação da realidade concreta, funcionando como vício de consentimento. No induzimento em erro, a vítima toma aliud pro alio; na manutenção em erro, desconhece a realidade. O agente, no primeiro caso, tem a iniciativa de causar o erro; no segundo, preexistindo o erro, causa a sua prolongação ou persistência, impedindo, por sua conduta astuciosa ou omissiva do dever ético-jurídico de o revelar, que a vítima dele se liberte' (fl. 209). |
Magalhães Noronha (Direito Penal, Saraiva, Vol. 2, 30ª ed., 1999, p. 378) salienta que 'a omissão não pode ser excluída como elemento do crime. De qualquer maneira, age tanto o que, com certa atividade, provoca o erro de outrem como o que se deixa de manifestar diante do erro alheio, de ambos os modos surgindo o dano patrimonial. Dito isto, está falado também acerca do silêncio. Este é forma de manifestação da vontade. Nosso Código Civil, no art. 94, considera-o como forma de dolo – 'Nos atos bilaterais o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui meio de omissão dolosa, provando-se que sem ela se não teria celebrado o contrato'. O silêncio intencional é modo de manter-se alguém em erro, donde sua admissibilidade na contextura do estelionato. Dirime qualquer dúvida a este respeito a Exposição de Motivos: 'Com a fórmula do projeto, já não haverá dúvida que o próprio silêncio, quando malicioso ou intencional, acerca do preexistente erro da vítima, constitui meio fraudulento característico do estelionato'. Sendo doloso o silêncio e provocando ou mantendo o erro alheio, do qual resultará o prejuízo patrimonial, não há que excluí-lo do conjunto de elementos integrantes do estelionato, ainda que desacompanhado de artifícios'. |
Júlio Fabbrini Mirabete (Código Penal Interpretado, Atlas, 1999, p. 1099) leciona que 'o crime pode ser cometido quando há induzimento, em que o agente toma a iniciativa para causar o erro, levando a vítima à falsa representação da realidade, ou pela omissão, quando o sujeito ativo mantém o ofendido no erro em que este incorreu, aproveitando-se dele'. |
Damásio E. de Jesus (Código Penal Anotado, Saraiva, 11ª ed. 2001, p. 620) compartilha desse entendimento, consignando que 'o Código Penal se utiliza da interpretação análoga. Após a fórmula casuística artifício e ardil, emprega fórmula genérica, em que se contém qualquer espécie de fraude que tenha a mesma natureza daqueles meios. Na fórmula genérica ingressam engodos como a mentira e a omissão do dever de falar (silêncio).' Relativamente ao erro afirma que 'podem ocorrer duas hipóteses: 1ª) a vítima é induzida a erro pela conduta do sujeito; 2ª) a vítima é mantida em erro. No primeiro caso, o sujeito ativo induz o ofendido a erro, mediante fraude. No segundo, o sujeito passivo já incidiu em erro espontâneo, que é mantido pelo artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. |
No mesmo sentido são os ensinamentos de Cézar Roberto Bitencourt (Código Penal Comentado, Saraiva, 2002, p. 750) e Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, Saraiva, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed. 2002, p. 561) este afirmando que 'a conduta é composta. Obter vantagem indevida induzindo ou mantendo alguém em erro. Significa conseguir um benefício ou um lucro ilícito em razão do engano provocado na vítima. Esta colabora com o agente sem perceber que está se despojando de seus pertences. Induzir quer dizer incutir ou persuadir e manter significa fazer permanecer ou conservar. Portanto, a obtenção de vantagem indevida deve-se ao fato de o agente conduzir o ofendido ao engano ou quando deixa que a vítima permaneça na situação de erro na qual se envolveu sozinha. É possível, pois, que o autor do estelionato provoque a situação de engano ou apenas dela se aproveite. De qualquer modo, comete a conduta proibida.' |
'Comumente a fraude para assegurar o próprio êxito procura cercar-se de uma certa encenação material (artifício) ou recorre a expedientes mais ou menos insidiosos ou astutos (ardis) para provocar ou manter (entreter, fazer persistir, reforçar) o erro da vítima. Às vezes, porém prescinde de qualquer mise-en-scéne ou estratagema, alcançando sucesso com a simples omissão do dever de falar. Não de pode, pois, negar as nudum mandatium, ao silêncio doloso, à reticência maliciosa, ao engano por sugestão implícito o caráter de meio fraudulento'. (TACRIM⁄SP – HC – Rel. Segurado Braz – JUTACRIM 90⁄101). |
'Havendo, para o agente, um dever jurídico de falar, seu malicioso silêncio quanto à verdade pode caracterizar fraude integradora de estelionato.' (TACRIM⁄SP – Revisão Criminal – Rel. Gonzaga Fransceschini – JUTACRIM 91⁄412). |
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