segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Estelionato (modalidade omissiva)

Outra questão levantada pelo Lucky Man:
A doutrina pátria, de forma pacífica, entende ser plenamente possível a prática do delito previsto no artigo 171, caput, do Estatuto Repressivo mediante o engodo do silêncio.

Hungria (Comentário ao Código Penal, Forense, 4ª ed., 1980, p. 202) registra que 'comumente a fraude, para assegurar o próprio êxito, procura cercar-se de uma certa encenação material (artifício) ou recorre a expedientes mais ou menos insidiosos ou astutos (ardis) para provocar ou manter (entreter, fazer persistir, reforçar) o erro da vítima. Às vezes, porém, prescinde de qualquer mise en scéne ou estratagema, alcançando sucesso com a simples mentira verbal e até mesmo com a simples omissão do dever de falar.

Não se pode, pois, negar ao nudum mendatium, ao silêncio doloso, à reticência maliciosa, ao engano por sugestão implícita, o caráter de meio fraudulento. Explica-se, assim, que o texto legal, depois de referir-se, exemplificadamente, a 'artifícios' e 'ardis', remate com uma expressão genérica: 'ou qualquer outro meio fraudulento'.

Esclarece, ainda, que 'entende-se por 'erro' a falsa ou nenhuma representação da realidade concreta, funcionando como vício de consentimento. No induzimento em erro, a vítima toma aliud pro alio; na manutenção em erro, desconhece a realidade. O agente, no primeiro caso, tem a iniciativa de causar o erro; no segundo, preexistindo o erro, causa a sua prolongação ou persistência, impedindo, por sua conduta astuciosa ou omissiva do dever ético-jurídico de o revelar, que a vítima dele se liberte' (fl. 209).



Magalhães Noronha (Direito Penal, Saraiva, Vol. 2, 30ª ed., 1999, p. 378) salienta que 'a omissão não pode ser excluída como elemento do crime. De qualquer maneira, age tanto o que, com certa atividade, provoca o erro de outrem como o que se deixa de manifestar diante do erro alheio, de ambos os modos surgindo o dano patrimonial. Dito isto, está falado também acerca do silêncio. Este é forma de manifestação da vontade. Nosso Código Civil, no art. 94, considera-o como forma de dolo – 'Nos atos bilaterais o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui meio de omissão dolosa, provando-se que sem ela se não teria celebrado o contrato'.

O silêncio intencional é modo de manter-se alguém em erro, donde sua admissibilidade na contextura do estelionato. Dirime qualquer dúvida a este respeito a Exposição de Motivos: 'Com a fórmula do projeto, já não haverá dúvida que o próprio silêncio, quando malicioso ou intencional, acerca do preexistente erro da vítima, constitui meio fraudulento característico do estelionato'. Sendo doloso o silêncio e provocando ou mantendo o erro alheio, do qual resultará o prejuízo patrimonial, não há que excluí-lo do conjunto de elementos integrantes do estelionato, ainda que desacompanhado de artifícios'.



Júlio Fabbrini Mirabete (Código Penal Interpretado, Atlas, 1999, p. 1099) leciona que 'o crime pode ser cometido quando há induzimento, em que o agente toma a iniciativa para causar o erro, levando a vítima à falsa representação da realidade, ou pela omissão, quando o sujeito ativo mantém o ofendido no erro em que este incorreu, aproveitando-se dele'.



Damásio E. de Jesus (Código Penal Anotado, Saraiva, 11ª ed. 2001, p. 620) compartilha desse entendimento, consignando que 'o Código Penal se utiliza da interpretação análoga. Após a fórmula casuística artifício e ardil, emprega fórmula genérica, em que se contém qualquer espécie de fraude que tenha a mesma natureza daqueles meios.

Na fórmula genérica ingressam engodos como a mentira e a omissão do dever de falar (silêncio).' Relativamente ao erro afirma que 'podem ocorrer duas hipóteses: 1ª) a vítima é induzida a erro pela conduta do sujeito; 2ª) a vítima é mantida em erro. No primeiro caso, o sujeito ativo induz o ofendido a erro, mediante fraude. No segundo, o sujeito passivo já incidiu em erro espontâneo, que é mantido pelo artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.



No mesmo sentido são os ensinamentos de Cézar Roberto Bitencourt (Código Penal Comentado, Saraiva, 2002, p. 750) e Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, Saraiva, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed. 2002, p. 561) este afirmando que 'a conduta é composta. Obter vantagem indevida induzindo ou mantendo alguém em erro. Significa conseguir um benefício ou um lucro ilícito em razão do engano provocado na vítima. Esta colabora com o agente sem perceber que está se despojando de seus pertences.

Induzir quer dizer incutir ou persuadir e manter significa fazer permanecer ou conservar. Portanto, a obtenção de vantagem indevida deve-se ao fato de o agente conduzir o ofendido ao engano ou quando deixa que a vítima permaneça na situação de erro na qual se envolveu sozinha. É possível, pois, que o autor do estelionato provoque a situação de engano ou apenas dela se aproveite. De qualquer modo, comete a conduta proibida.'



'Comumente a fraude para assegurar o próprio êxito procura cercar-se de uma certa encenação material (artifício) ou recorre a expedientes mais ou menos insidiosos ou astutos (ardis) para provocar ou manter (entreter, fazer persistir, reforçar) o erro da vítima. Às vezes, porém prescinde de qualquer mise-en-scéne ou estratagema, alcançando sucesso com a simples omissão do dever de falar. Não de pode, pois, negar as nudum mandatium, ao silêncio doloso, à reticência maliciosa, ao engano por sugestão implícito o caráter de meio fraudulento'. (TACRIM⁄SP – HC – Rel. Segurado Braz – JUTACRIM 90⁄101).



'Havendo, para o agente, um dever jurídico de falar, seu malicioso silêncio quanto à verdade pode caracterizar fraude integradora de estelionato.' (TACRIM⁄SP – Revisão Criminal – Rel. Gonzaga Fransceschini – JUTACRIM 91⁄412).

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