terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Racismo X Injúria Racial

Enquanto o tipo penal de racismo importa em "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional", o tipo de injúria qualificada pelo uso de elemento racial consiste em "injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro com a utilização de elementos referentes a raça , cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência".

Relevante reproduzir aqui a seguinte lição doutrinária:

"O fundamento político da alteração legislativa reside no fato de que a prática de crimes descritos na Lei 7.716⁄89 (preconceito e raça ou cor) não raro era desclassificada para o crime de injúria. Acreditando na injustiça de muitas dessas desclassificações, o legislador, em sua política criminalizadora, resolveu dar nova fisionomia às condutas tidas como racistas e definiu-as como injuriosas, com exagerada elevação da sua conseqüência jurídico-penal.
(...)
Será preconceituosa ou disciminatória quando a ofensa à dignidade ou decoro utilizar elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. O maior desvalor da ação, nesta modalidade de injúria, justifica uma maior reprovação penal."

E ainda:

"O crime de injúria por preconceito consiste, como já se tem decidido, em ultraje a outrem, por qualquer meio, em especial de palavras racistas e pejorativas, deixando-se patenteada a pretensão de, em razão da cor da pele, por exemplo, se sobrepor à pessoa de raça diferente." (Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, vol. II, 20ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 169).

A doutrina tem, inclusive, alertado para o fato de que, muitas vezes, a conduta relativa ao tipo de injúria qualificada é confundida com o crime de racismo, mais grave, já que além de ser crime de ação penal pública incondicionada, é imprescritível e inafiançável:

"Desde o advento da presente lei, têm-se cometido equívocos deploráveis, pois simples desentendimentos, muitas vezes, sem qualquer comprovação do elemento subjetivo, têm gerado prisões e processos criminais de duvidosa legitimidade, especialmente quando envolvem policiais negros e se invoca, sem qualquer testemunho idôneo, a prática de 'crime de racismo', ou, então, em simples discussões rotineiras ou em caso de mau atendimento ao público, quando qualquer das partes é negra, invoca-se logo 'crime de racismo', independentemente do que de fato tenha havido." (Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de Direito Penal, 6ª ed., São Paulo. Saraiva, 2007, p. 321).

Com efeito, no delito de injúria preconceituosa, a finalidade do agente, a fazer uso de elementos ligados a raça, cor, etnia, origem etc., é atingir a honra subjetiva da vítima, bem juridicamente protegido pelo crime em questão. Ao contrário, o delito previsto no art. 20, da Lei nº 7716⁄89, na modalidade de praticar ou incitar a discriminação ou preconceito de procedência nacional, constitui manifestação de um sentimento em relação a toda uma coletividade em razão de sua origem (nacionalidade). Em sentido semelhante, no plano doutrinário, tem-se: Rogério Greco, Curso de Direito Penal - parte especial, v. II, ed. Ímpetus, 2006, p. 516; Fernando Capez, Curso de Direito Penal - parte especial, v. 2, ed. Saraiva, 2003, p. 251; Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de Direito Penal - parte especial, v. 2, ed. Saraiva, 2004, p. 393; Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, ed. Saraiva, 2002, p. 490⁄491, Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, ed. RT, 2006, p. 605; Luiz Flávio Gomes, Racismo contra Grafite: houve exagero?, in etc.

Neste ponto, cabe transcrever trecho do judicioso parecer da douta Procuradoria Regional da República da 2ª Região, verbis:

"A injúria qualificada está presente quando o conteúdo racial, por exemplo, é meio intensificador da ofensa. Expressões como “negro safado”, “judeu maldito”, “crioulo nojento” revelam o dolo natural de humilhar e ofender a honra subjetiva, valendo-se de material preconceituoso. O preconceito é instrumento da injúria.

Já no crime de preconceito a ordem é inversa. É claro que também humilha e ofende a honra subjetiva, mas a injúria, neste caso, funciona apenas como crime meio de um outro: o de fomentar e enaltecer uma diferença e uma superioridade pretensamente advindas de fatores como raça, credo, nacionalidade, etnia, etc.




Fonte:
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=4322078&sReg=200501874971&sData=20081028&sTipo=91&formato=HTML

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