segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Do Indulto Natalino e comutação de penas e seu alcance aos condenados no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, diante do Decreto nº 6.706, de 22 de dezem

DUCCINI, Clarence Willians. Do Indulto Natalino e comutação de penas e seu alcance aos condenados no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, diante do Decreto nº 6.706, de 22 de dezembro de 2008. Disponível em http://www.lfg.com.br. 11 de janeiro de 2009.


Como ocorre todo final de ano, o Presidente da República, diante das prerrogativas que lhe confere o artigo 84, XII, da Constituição Federal, após estudo do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que colheu sugestões de diversas entidades e instituições, emitiu Decreto nº 6.706 de 22 de dezembro de 2008, prevendo indulto natalino e comutação de penas, ato de governo de ampla discricionariedade [1], mas com limites previstos na própria Constituição Federal.

Entre as novidades, prevê a possibilidade da concessão dos benefícios aos condenados pelos §§ 2º a 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 [2].

Embora fosse desnecessário especificar a não incidência do óbice aos §§ 2º e 3º [3], o poder executivo resolveu delimitar que nestes casos não se trata de tráfico, embora no mesmo contexto do artigo 33 da Lei 11.343/06, diante o entendimento nominando uma destas incriminações (§ 3º) como tráfico privilegiado [4].

Contudo, a titulação de tráfico privilegiado para conduta do uso compartilhado com vínculo (relacionamento), traz conseqüências severas, e embora seja evidente que diante da pena prevista no preceito secundário seja considerado crime de menor potencial ofensivo, não é possível consolidar este entendimento, pois não há como assemelhar o uso compartilhado aos crimes assemelhados aos hediondos com as incidências da Lei 8.072/90.

Sem levar a uma possível interpretação e adequação da nomenclatura ideal, João Carlos Carollo [5] sustenta ter incidindo em erro o legislador em colocar o § 3º do art. 33 junto às condutas de tráfico, sugerindo a titulação de "uso qualificado".

O mesmo questionamento é feito por Salo de Carvalho [6], quanto ao legislador efetivamente ter deixado de diferenciar as condutas e lesão ao bem jurídico, ao enquadrar junto às modalidades de comércio ilegal.

Por outro lado, João José Leal e Rodrigo José Leal [7], asseveram que somente os três incisos do art. 33 [8] são condutas equiparadas ao crime de tráfico de drogas e assim podem ser juridicamente denominadas, mas as modalidades do § 2º e § 3º não podem ser equiparadas, pois com autonomia normativa.

Neste ponto serve a exposição esclarecedora de Munoz Conde [9] quanto à técnica legislativa sobre a identificação de qualificadoras e causas especiais de aumento:

"Para se saber se está diante de um tipo qualificado ou privilegiado ou quando diante de um tipo autônomo é necessário socorrer-se da interpretação, partindo da regra legal concreta. Os tipos qualificados ou privilegiados associam circunstâncias agravantes ou atenuantes, mas não modificam os elementos fundamentais do tipo básico. O delito autônomo constitui, ao contrário, uma estrutura jurídica unitária, com um conteúdo e âmbito de aplicação próprios, com medida penal autônoma".

Examinada a composição da estrutura dos parágrafos, verifica-se que ela não se ajusta aos conceitos de qualificadora, causa especial de aumento ou diminuição de pena (privilegio), adequando-se à de crime autônomo e independente, por conter descrição de conduta, objeto e sanção, ou seja, características e peculiaridades próprias de tipo legal de crime distinto do básico ou fundamental do caput do artigo 33.

Nota-se que o tratamento penal é diferenciado, não com o mesmo rigor do tráfico e suas condutas equiparadas, sendo impossível incidirem as regras da lei 8.072/90, bastando para tanto uma leitura superficial ao artigo 44 da Lei 11.343/06 [10].

Diante destas considerações, não seria sequer necessário a especificação do poder executivo quanto à plena aplicabilidade do indulto e comutação nas hipóteses dos §§ 2º e 3º do artigo 33 da Lei 11.343/06.

Mas a maior controvérsia é quanto à incidência dos benefícios previstos no Decreto nº 6.706 de 22 de dezembro de 2008, aos condenados por tráfico com a diminuição da pena do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, o qual é titulado por Renato Marcão [11] como tráfico privilegiado.

O ato normativo prevê no artigo 8º, inciso I, a possibilidade da concessão do indulto e comutação aos condenados nas penas do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, desde que a conduta típica não tenha configurado a prática da mercancia, típica hipótese do "mula".

Mas, será que deixa de ser titulada como tráfico a conduta de quem, primário, com bons antecedentes, que não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa, transporta, guarda ou mantém em depósito droga?

É verdade, que como leciona Alberto Silva Franco [12] ao discorrer sobre o tráfico de entorpecente, aduz que a palavra tráfico está vinculada às idéias de comércio, mercancia, sendo que, na exposição de Salo de Carvalho [13], ante a quantidade de hipóteses que podem ser subsumidas a categoria de tráfico, deve levar a chave interpretativa de que somente é qualificado de tráfico os comportamentos cuja natureza identifica ato comercial.

Contudo, o entendimento dominante é que o tipo penal (artigo 33 da Lei 11.343/06) equivalente ao anterior artigo 12 da Lei 6.368/76 é congruente simétrico, esgotando-se, o seu tipo subjetivo, no dolo, sendo que as figuras, de transportar, trazer consigo, guardar ou, ainda, de adquirir não exigem, para a adequação típica, qualquer elemento subjetivo adicional tal como o fim de traficar ou comercializar [14].

Portanto, independente da condição pessoal e as circunstâncias favoráveis do agente, a conduta não deixa de ser titulada como tráfico pelo fato de ser primário.

Mas, se há limites ao exercício do poder discricionário na lei fundamental, o ato normativo padece de inconstitucionalidade ao estender benefício aos condenados por tráfico privilegiado, independente se restou caracterizado atos de comércio, até porque não há fundamento consistente em afastar a incidência da Lei 8.072/90, equiparando a hipótese do homicídio qualificado-privilegiado [15], quando o fundamento para afastar a incidência são os motivos do crime [16] e não as circunstâncias favoráveis do agente.

Aliás, a Suprema Corte [17] já decidiu que não há possibilidade da concessão de indulto e comutação para condenados por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e mesmo quando há previsão no Decreto Presidencial, ainda que na hipótese de exceção, como ocorreu na apreciação da compatibilidade do § 2º do artigo 7º do Decreto nº 4.495/2002 com o texto constitucional, especificamente o inciso XLIII do artigo 5º da Carta da República.

Dessa forma, indo além o poder normativo, por desrespeito aos limites previstos na norma fundamental, como leciona Luigi Ferrajoli [18], deve-se considerar sem validade normativa o artigo 8º, inciso I, do Decreto nº 6.706 de 22 de dezembro de 2008, na parte em que prevê possibilidade de indulto e comutação aos condenados por tráfico privilegiado (art. 33 § 4º da Lei 11.343/06).


1. STF - HC nº90364/MG - Tribunal Pleno - Rel. Ricardo Lewandowski, j. 31.10.2007.

2. Art. 8o Os benefícios previstos neste Decreto não alcançam os condenados: I - por crime de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de drogas, nos termos do art. 33 da Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006, excetuadas as hipóteses previstas nos §§ 2o ao 4o do artigo citado, desde que a conduta típica não tenha configurado a prática da mercancia;

3. Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (...) § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

4. GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Drogas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.21. No mesmo sentido: THUMS, Gilberto, PACHECO, Vilmar. Nova Lei de Drogas: Crimes, investigação e processo. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 89.

5. CAROLLO, João Carlos. Sucintos comentários à Lei nº 11.343/2006 . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1242, 25 nov. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9213. Acesso em: 28 fev. 2008 .

6. CARVALHO. Salo de. A política Criminal de Drogas no Brasil, 4ª ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2007, p.190.

7. LEAL, João José; LEAL, Rodrigo José. Nova política criminal e controle do crime de tráfico ilícito de drogas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1435, 6 jun. 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9948. Acesso em: 28 fev. 2008.

8. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

9. CONDE. Munhoz. Teoria Geral do Delito, Sérgio Antônio Fabris Editor, p. 48.

10. Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

11. MARCÃO. Renato. Tóxicos, Nova Lei de Drogas, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.137.

12. FRANCO, Alberto Silva. Et.al. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.1178.

13. CARVALHO. Salo de. Op. cit., p.227.

14. REsp 912.257/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2007, DJ 27/08/2007 p. 288; No mesmo sentido: HC 44.119/BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 11/04/2006, DJ 08/05/2006 p. 243.

15. TJMG - Apelação Criminal N° 1.0313.05.164060-2/001 - 5ª Câmara Criminal- Rel. Maria Celeste Porto, j.30.09.2008.

16. Art.121 § 1º "Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima".

17. STF - ADIN-MC 2795/DF - Tribunal Pleno - Rel. Mauricio Corrêa, j. 08.05.2003.

18. FERRAJOLI. Luigi. O Estado de Direito entre o passado e o futuro in, O Estado de Direito, História, Teoria, Crítica - COSTA, Pietro, ZOLO, Danilo (orgs) São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.409.

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