terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Corrupção ativa X Concussão

HC 81303 / SP - SÃO PAULO
HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 05/02/2002

"Outrossim, em hipótese em que as duas modalidades de corrupção (ativa e passiva) se entrelaçam, porque presente o pacium sceleris¹, bem se aplica a preciosa lição de RODOLFO VENDJTTI (Enciclopédia Del Diritto, vol. Io, verb. "Corruzione", págs. 761-763, ed. Giuffrè, 1962) de que o critério que procura distinguir a corrupção ativa da concussão pela iniciativa, identificando a primeira quando a oferta é do particular e a outra quando a iniciativa é do funcionário, parece vinculado â rígida interpretação da palavra corrupção, no sentido de querer distinguir, a qualquer custo, um corruptor que tomou a iniciativa de conspurcar a integridade do funcionário e um funcionário que suportou a corrupção e cedeu. O critério, porém, não capta a essência do problema e se revela precário, nos seus efeitos práticos. Sua insuficiência fica patente quando se considera que, com base nele, haverá sempre concussão (ou só corrupção ativa) quando a iniciativa for do funcionário e, portanto, o particular ficará impune, ainda que tenha voluntariamente aderido àquela iniciativa e a adesão lhe tenha trazido vantagem.

Bem por isso a doutrina e a jurisprudência passaram a identificar a essência da corrupção no acordo pelo qual o funcionário vende ao particular a função pública, afirmando hoje que a corrupção ocorre sempre que exista posição paritária entre os envolvidos, ao passo que a concussão é caracterizada por uma posição de superioridade do funcionário e uma correspondente situação de inferioridade do particular, gerada pelo metus publicae potestatis².

Esta proposição foi desenvolvida e completada com a observação de que sempre que o funcionário oferece ao particular a perspectiva de uma vantagem indevida estamos no campo da corrupção e não da concussão, já que esta é inconcebível sem um dano injusto, explícita ou implicitamente, ameaçado pelo funcionário, valendo-se de sua posição de superioridade e abusando de seus poderes. Quando o particular é impulsionado a retribuir ao funcionário, não pelo medo de evitar um dano injusto, mas pelo temor de que aquele exercite em seu prejuízo atos de oficio legítimos, necessariamente se concretiza o delito de corrupção ativa, porque o particular longe de ser vítima dominada pelo metus publicae potestatis, torna-se sujeito ativo e age em dano da pública administração, para conseguir vantagem indevida.

¹pacium sceleris – pacto do crime

²metus publicae potestatis – temor de represálias a que fica constrangida a vítima.

Citação:

HC 62908 / SE
HABEAS CORPUS
2006/0155046-2
Data do Julgamento
06/11/2007
“HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. DELEGADO DE POLÍCIA QUE EXIGE VANTAGEM FINANCEIRA PARA LIBERAR VEÍCULO ILEGALMENTE APREENDIDO. PROVA INDICIÁRIA OBTIDA EM CONVERSA INFORMAL COM CO-RÉU ACUSADO DE CORRUPÇÃO ATIVA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO.



1. Não existe na ação penal movida em desfavor do Paciente confissão extrajudicial obtida por meio de depoimento informal, prova sabidamente ilícita. No caso, ocorre testemunho indireto, ou por ouvir dizer, o que não é vedado, em princípio, pelo sistema processual penal brasileiro.
2. O legislador brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o juiz, extraindo a sua convicção das provas produzidas legalmente no processo, decide a causa de acordo com o seu livre convencimento, devendo, no entanto, fundamentar a decisão exarada.

3. Não configura o tipo penal de corrupção ativa sujeitar-se a pagar propina exigida por Autoridade Policial, sobretudo na espécie, onde não houve obtenção de vantagem indevida com o pagamento da quantia.

4. "Caso a oferta ou promessa seja efetuada por imposição ou ameaça do funcionário, o fato é atípico para o extraneus, configurando-se o delito de concussão do funcionário." (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 2.177.)

5. Habeas corpus denegado. Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal em relação, apenas, à Fábio Ribeiro Santana e José Hormindo da Silva, diante da evidente atipicidade da conduta que lhes foi imputada.”

Citação:

“Como bem esclareceu o parecer ministerial, "o depoimento informal de Fábio não é confissão: ele não cometeu crime algum, pois o particular que cede à solicitação (rectius: exigência) do funcionário público de vantagem indevida para a prática de ato de ofício não comete o crime de corrupção ativa" (fl. 339).

De fato, descrevendo a denúncia que o Paciente(servidor), no uso de sua função pública, exigiu determinada quantia para liberar o veículo apreendido, o fato de Fábio (sujeito passivo - vitima)se dispor a pagar montante inferior, não configura o tipo penal de corrupção ativa, porquanto ele não "ofereceu ou prometeu vantagem indevida" nos termos do art. 333 do Código Penal, apenas se sujeitou a pagar propina exigida pela autoridade pública.

A atipicidade da conduta, nos termos da denúncia, é evidente, sobretudo porque nenhuma vantagem indevida foi aferida com o pagamento da quantia ao Paciente.

No mesmo sentido, é o melhor entendimento doutrinário, litteris:

"Caso a oferta ou promessa seja efetuada por imposição ou ameaça do funcionário, o fato é atípico para o extraneus, configurando-se o delito de concussão do funcionário." (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 2.177.)

Fonte: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=3386498&sReg=200601550462&sData=20071203&sTipo=91&formato=HTML

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