sábado, 7 de fevereiro de 2009

Tribunal Constitucional Federal Alemão

§ 7.

Dignidade da Pessoa Humana

(Art. 1 I GG)

GRUNDGESETZ

Artigo 1º (Dignidade da pessoa humana).

(1) A dignidade da pessoa humana é intocável. Observá-la e protegê-la é dever de todos os poderes estatais.
(2) ...
(3) ...

NOTA INTRODUTÓRIA:

A Grundgesetz declara, em seu Art. 1 I, a dignidade humana como “intocável”. Logo em seguida (Art. 1 I 2 GG), ordena a todos os poderes estatais observá-la e protegê-la. O dever de observação é próprio de todos os direitos fundamentais como direitos de resistência contra intervenções estatais: o Estado observa a liberdade ou direito individual enquanto omite uma ação perturbadora. O dever de proteção diz respeito a mandamento de ação direcionado ao Estado, ação contra agressões da dignidade da pessoa humana proveniente de particulares.

Se, por um lado, os mandamentos relativos à dignidade da pessoa humana são claros, difícil é a sua definição. Não existe unanimidade na literatura especializada alemã. Muitos são os pontos de ênfase e formas de tratamento da matéria. Os comentários à Grundgesetz dedicam ao Art. 1 I GG muitas páginas. Mais bem sucedida tem sido uma definição negativa: uma definição que parte da intervenção ou violação da dignidade humana (visto que uma intervenção não pode ser justificada, pois a outorga do Art. I GG é ilimitada). Por isso, a preocupação dogmática se volta toda para a verificação do momento em que se pode dizer que a dignidade humana foi atingida. Para tanto, a definição de sua área de proteção tem enorme importância, pois nenhuma intervenção poderá ser justificada, conforme já aludido.

Outra tese bastante corrente na literatura especializada é que boa parte (alguns afirmam erroneamente que todos) dos direitos fundamentais teriam um lastro na garantia da dignidade humana. Entre eles, destaque-se o Art. 2 I GG (livre desenvolvimento da personalidade), que abrange os direitos gerais da personalidade, funcionando como lex generalis em face de garantias mais específicas dos Art. 3 et seq. GG, como a inviolabilidade do domicílio (Art. 13 I GG) ou do sigilo telefônico(Art. 10 I GG), direito à incolumidade física ou mesmo a liberdade de locomoção contra os seus mais diversos cerceamentos, incluindo os legais (Art. 2 II c.c. Art. 104 I 1 GG).

As decisões abaixo escolhidas trataram respectivamente de concretizações da dignidade da pessoa humana no contexto do Art. 10 I GG (Decisão 12.) e da privação da liberdade de locomoção por aplicação da pena de prisão perpétua (Decisão 13.). Trata-se de apenas dois dos diversos contextos em face dos quais o TCF concretizou a dignidade da pessoa humana.

12. BVERFGE 30, 1
(ABHÖRURTEIL)

Controle Abstrato / Reclamação Constitucional contra ato normativo 15/12/1970

OUTROS PARÂMETROS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:

ART. 10 I E ART. 79 III GG

MATÉRIA:

O governo do Estado de Hessen ensejou, junto ao TCF, o controle abstrato da 17ª Emenda Constitucional que inseriu um novo dispositivo ao Art. 10 GG, o Art. 10 II 2 GG. Trata-se de uma reserva legal que possibilitou ao legislador infraconstitucional, inclusive por lei material, ou seja, ato normativo da Administração como decreto e regulamentos, limitar o sigilo da correspondência, postal e da telecomunicação tutelado pelo Art. 10 I GG (em suma, a decisão questionava a constitucionalidade entre outros da escuta telefônica – Abhörurteil). O Controle Abstrato tinha por objeto também alguns dispositivos como o § 9, V da lei conhecida como “G 10”(Lei para a Limitação do Sigilo da Correspondência, Postal e da Telecomunicação), promulgada a 13/08/1968 com lastro na nova reserva legal do Art. 10 II 2 GG. Paralelamente, um grupo de promotores e advogados ajuizou reclamações constitucionais questionando diretamente a constitucionalidade da emenda e de vários dispositivos da G 10.

À exceção de um aspecto do § 5, V da G 10, que permitia a exclusão da notificação do atingido por medidas de vigilância quando a notificação no caso concreto pudesse ser efetivada sem ameaçar o propósito da limitação, o Tribunal Constitucional Federal, com cinco votos contra três (v. trecho dos votos vencidos reproduzidos abaixo), julgou (por Urteil) improcedentes tanto o pedido implícito no controle abstrato, quanto as reclamações constitucionais, declarando constitucionais todas as normas impugnadas.

A interpretação do conceito de dignidade humana da Grundgesetz foi decisiva para que a decisão não fosse unânime.

1. – 5. (...).

6. O tratamento da pessoa humana pelo poder público que cumpre a lei deve, para se verificar se a dignidade humana foi atingida, ser expressão do desrespeito ao valor a que o ser humano tem direito por força de sua existência como pessoa.

7. – 8.(...).

Decisão (Urteil) do Segundo Senado de 15 de dezembro de 1970 após audiência de 07 de julho de 1970 – 2 BvF 1/69, 2 BvR 629/68 e 308/69 – (...)

RAZÕES

A. I. – V.
(...)
B. I. – II.
(...)
C. I.

O julgamento sobre a compatibilidade do Art. 10 II 2 GG, que fora inserido por emenda constitucional, com o Art. 79 III GG, pressupõe a interpretação de ambas as normas.

1. Da interpretação do Art. 10 II 2 GG resulta o seguinte:

a) – b) (...).

2. Da interpretação do Art. 79 III GG resulta o seguinte:

a) – b) (...)

c) No que diz respeito ao princípio da inviolabilidade da dignidade humana, firmado no Art. 1 GG, o qual, segundo o Art. 79 III GG, não pode ser atingido por emenda constitucional, tudo depende de se determinar que condições devem estar presentes para que a dignidade humana possa ser considerada como violada. Evidentemente não se pode falar em termos gerais, mas sempre em face do caso concreto. Formulações gerais, como a de que a pessoa humana não pode ser reduzida a um simples objeto do poder público, podem tão somente indicar a direção na qual podem ser encontrados casos de violação da dignidade humana. Não raramente a pessoa humana é, sim, mero objeto, não apenas das relações e do desenvolvimento da sociedade, mas também do Direito, na medida em que deve se submeter em detrimento de seus interesses. Somente desse dado [portanto] não se pode deduzir uma violação da dignidade humana. Ao contrário, para estar presente uma violação da dignidade humana o atingido precisa ter sido submetido a um tratamento que coloque em xeque, de antemão, sua qualidade de sujeito [de direitos], ou haver no caso concreto um desrespeito arbitrário à sua dignidade. O tratamento da pessoa humana pelo poder público que cumpre a lei deve, para se verificar se a dignidade humana foi atingida, ser expressão do desrespeito ao valor a que o ser humano tem direito por força de sua existência como pessoa, configurando, portanto, nesse sentido, “um tratamento desrespeitoso”.

II.
(...)
D.
(...)
E.

Esta decisão foi prolatada com 5 votos a 3.

(ass.) Seuffert, Dr. Leibholz, Geller, Dr. v. Schlabrendorff, Dr. Rupp, Dr. Geiger, Dr. Kutscher, Dr. Rinck

Opinião divergente dos juízes Geller, Dr. v. Schlabrendorff e Dr. Rupp (...).

1. a) – c) (...).

2. a) (...).

b) (...). É preciso agora distanciar-se, ao se responder à pergunta sobre o significado de “dignidade humana”, do entendimento patético da palavra, ou seja, daquele entendimento que se dá exclusivamente em seu sentido superior, partindo-se do pressuposto de que a dignidade humana só é atingida quando “o tratamento da pessoa humana pelo poder público que cumpre a lei deve, para se verificar se a dignidade humana foi atingida, ser expressão do desrespeito ao valor a que o ser humano tem direito por força de sua existência como pessoa; portanto, nesse sentido, ser ‘um tratamento desrespeitoso’”. Contudo, se trilhado esse caminho, reduz-se o Art. 79 III GG a uma proibição da re-introdução, por exemplo, da tortura, do pelourinho e dos métodos do 3º Reich. Uma restrição desse tipo não considera a concepção e o espírito da Grundgesetz. Todo o poder de Estado tem que observar e proteger a pessoa humana em seu valor intrínseco, em sua independência. Ela não pode ser tratada de forma “impessoal”, como um objeto, nem mesmo quando isso acontece, não por desrespeito ao valor da pessoa, mas com “boa intenção”. (...).

(...).
c) (...).
3. – 4. (...).

(ass.) Geller, Dr. v. Schlabrendorff, Dr. Rupp

13. BVERFGE 45, 187

(LEBENSLANGE FREIHEITSSTRAFE)

Controle Concreto 21/06/1977

MATÉRIA:

Trata-se do controle concreto de constitucionalidade do tipo penal homicídio qualificado do § 211 StGB. O Tribunal Estadual de Verden, que apresentou a questão ao TCF, considerava o § 211 StGB inconstitucional, porque previa unicamente a pena de prisão perpétua (Lebenslange Freiheitsstrafe) sem abrir ao juízo ou tribunal que o aplica a possibilidade de penalizar de acordo com a culpa concreta verificada em cada caso. Segundo o tribunal estadual, a prisão perpétua violaria o conteúdo essencial da garantia da liberdade e, por conseqüência, a dignidade humana do condenado.

O TCF considerou o § 211 StGB constitucional e com isso também a execução da pena de prisão perpétua, mas com uma importante ressalva: deveria restar ainda uma possibilidade legal do condenado alcançar o estado de liberdade por meio de uma suspensão da execução do resto da pena. Essa “chance” de se alcançar a liberdade foi regulamentada pelo novo § 57a StGB.

1. A pena de prisão perpétua para homicídio qualificado (§ 211 I StGB) é compatível com a Grundgesetz, na medida das seguintes ementas.

2. Segundo o atual estágio do conhecimento científico, não se pode constatar que a execução da pena de prisão perpétua, conforme normas da Lei de Execução Penal, observando-se a atual prática de indulto, leve necessariamente a danos físicos e psíquicos irreparáveis que violem a dignidade humana (Art. 1 I GG).

3. Um dos pressupostos da execução de pena compatível com a dignidade humana é que reste ao condenado à prisão perpétua, em princípio, uma chance de algum dia voltar a gozar da liberdade. Somente a possibilidade de indulto não é suficiente. Pelo contrário, o princípio do Estado de direito exige que as condições sob as quais a execução de uma pena de prisão perpétua possa ser suspensa e o procedimento aplicável sejam regulados por lei.

4. (...).

Decisão (Urteil) do Primeiro Senado de 21 de junho de 1977 após audiência de 22 e 23 de março de 1977 – 1 BvL 14/76 – (...)

RAZÕES

A. - I. – VIII. (...)
B. 1. – 2. (...)
C.

O § 211 StGB é, na extensão dele a ser aqui examinada, segundo o discorrido adiante e a interpretação restritiva que dele resulta, compatível com a Grundgesetz.

I.

1. – 4. (...)

II.

1. Observância e proteção da dignidade humana fazem parte dos princípios constitutivos da Grundgesetz. (...).

(...).

No âmbito da prática do direito penal, no qual são colocadas as maiores exigências de justiça, o Art. 1 I GG determina o entendimento da essência da pena e da relação entre culpa e reparação. O princípio “nulla poena sine culpa” tem o status de princípio constitucional (BVerfGE 20, 323 [331]). Toda a pena deve ter uma relação proporcional justa entre a gravidade do delito e a culpa do autor (BVerfGE 6, 389 [439]; 9, 167 [169]; 20, 323 [331]; 25, 269 [285 et seq.]). O mandamento do respeito à dignidade humana significa especialmente que penas cruéis, desumanas e humilhantes são proibidas (BVerfGE 1, 332 [348]; 6, 389 [439]). O autor do delito não pode ser reduzido a um mero objeto do combate ao crime, sob violação de seu direito constitucional ao respeito e à valorização social (BVerfGE 28, 389 [391]). Os pressupostos básicos da existência humana individual e social devem ser preservados. Do Art. 1 I GG, combinado com o princípio do Estado social, deve-se, portanto - e isso vale especialmente para a execução penal - derivar a obrigação do Estado de garantir o mínimo necessário para que se configure uma existência humana digna. Entendida a dignidade humana dessa forma, seria com ela incompatível que o Estado requeresse para si o direito de tirar à força a liberdade do indivíduo sem que houvesse pelo menos a chance dele algum dia voltar a gozar novamente da liberdade.(...).

2. (...).

III.

(...)

1. – 3. (...).

4. a) (...), pois o núcleo da dignidade humana será atingido quando o condenado, a despeito do desenvolvimento de sua personalidade, tiver que desistir de qualquer esperança de reaver sua liberdade. O instituto do indulto, apenas, não basta para assegurar, de uma forma a atender as exigências constitucionais, essa perspectiva, que por excelência é só o que torna suportável a execução da prisão perpétua.(...).

b) (...).

5. (...).

IV. – VIII. (...)

(ass.) Dr. Benda, Dr. Haager, Dr. Böhmer, Dr. Simon, Dr. Faller, Dr. Hesse, Dr. Rupp-v. Brünneck (repres. por Dr. Benda)